O que é o sufismo? (por Daniel Placido)

 Toda religião tradicional tem uma dimensão interior ou mística, assim como toda letra tem seu espírito. No caso do Islã, ela é conhecida, especialmente entre os sunitas, como sufismo (tasawwuf). Esse aspecto interior da religião islâmica teria sido revelado pelo profeta Muhammad a seus discípulos mais próximos ou companheiros, e assim sucessivamente. O profeta Muhammad é considerado, não por acaso, o modelo do Homem Perfeito para sufis.




O sufismo não tenciona contradizer a sharia (lei islâmica) nem a teologia, mas complementar e aprofundar aspectos delas. Os sufis acreditam no que todo muçulmano verdadeiro acredita e seguem rigorosamente as normas práticas da religião, encarando-as não só pelo seu aspecto externo, mas também pelo aspecto interno. Por exemplo, o sufi Ibn ‘Arabî disse que cada prostração da oração islâmica está associada a um reino da existência (mineral, vegetal, animal). Eles praticam o que todo muçulmano pratica, assim como fazem orações, meditações, jejuns e outros procedimentos além daqueles prescritos como obrigatórios. Entre estas práticas, constam, por exemplo, o dhikr, que consiste em recitar continuamente o nome de Allah, além de passagens corânicas, e o sama (giro dervixe), em que o sufi gira em torno do próprio eixo e de um centro imaginário, imitando o movimento planetário ao redor do sol, simbolizando Deus. A existência de eventuais tensões históricas entre alguns sufis e determinados teólogos e doutores da lei só pode ser explicada pela limitação de visão destes últimos. Tanto que um teólogo ortodoxo como Al Ghazali defendeu o sufismo, escrevendo:


Em geral como podem os homens descrever tal caminho [sufi] como esse? É pureza – a primeira das requisições- é a total purificação do coração de tudo que não seja Deus Altíssimo. Sua chave que é análoga ao começo da Oração, é a máxima absorção do coração na lembrança de Deus. O seu fim está sendo a completa perda em Deus. (…) Do início do caminho revelações e visões começam, de maneira que, mesmo quando acordados, os sufis veem os anjos e os espíritos dos profetas e ouvem vozes vindas deles e aprendem com eles coisas úteis. Dessa maneira o estado deles ascende da visão de formas e semelhanças a estágios além do estreito alcance das palavras: portanto, se alguém tentar expressá-los, suas palavras contém erros evidentes… (al-Munqidh min al-Dalal).


Por volta do século XII, o sufismo começou a se estruturar em ordens, conhecidas como turuk (plural de tarica), cada uma com sua linhagem de representantes (silsilá) e técnicas próprias. Muitas dessas ordens ainda existem, com ramificações complexas, como a Ordem Naqshbandi. O sufismo começou a ter maior divulgação no Ocidente no século XX, seja através do trabalho de orientalistas e estudiosos, seja através da disseminação de ordens sufis em lugares como Europa e América.

O sufismo também produziu obras poéticas de alcance e valor universais, como as obras místico-literárias de Rumî, Attar, Hafiz e outros, que inclusive encantaram grandes escritores ocidentais como Goethe.


Para saber mais

BALTA, Paul. Islã: uma breve introdução. Porto Alegre: L&PM, 2010.

CATTANI, Roberto. Islam e islamismo. São Paulo: Claridade, 2008.

SOARES DE AZEVEDO, Mateus. Iniciação ao Islã e Sufismo. Rio de Janeiro: Nova Era, 2001.


*Texto publicado na Revista Al Hakim

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