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Sobre a Filosofia Perene (por Daniel Placido)

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  O conceito de  Filosofia Perene, apesar de seu aparecimento e delineamento no Renascimento, tem raízes mais antigas do que aparenta. Existe um embrião dessa concepção na Antiguidade, com autores como Platão, Fílon, Clemente de Alexandria, Proclo, Lactâncio, Agostinho, entre outros, e no Medievo com autores como Sohravardî e Psellos. Todavia, foi no Renascimento que esse conceito teve a sua definição expressa, atingindo seu ápice, pois era, justamente, um período de encontro e sincretismo de tradições (helenísticas e  tradições ligadas ao monoteísmo), com a disponibilidade de materiais e tradições diversas que colocavam para os eruditos um desafio de síntese intelectual e religiosa. Inicialmente com Gemistos Plethon, um filósofo bizantino e neopagão que procurou unir Zoroastro e Platão, como expoentes de uma ampla e diversa tradição que incluía de figuras míticas gregas aos brâmanes da India, até os neoplatônicos como Porfírio e Jâmblico, temos o primeiro passo para a Filosofia

Quem foi Ramana Maharshi ?(por Daniel Placido)

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Quem foi Sri Ramana Maharshi (1879-1950)? Segundo A. Osborne, o nome natalício de Ramana era Venkataraman, tendo nascido em Tiruchuzi, pequena aldeia no sul da Índia. Aos 12 anos perdeu o pai; aos 16, através de seu tio – o qual retornava de uma peregrinação-, teve uma providencial intuição sobre o monte sagrado de Arunachala, localizado ao sul da Índia, em Tiruvanamalai.  Foi aos 17 anos, mesmo sendo um jovem comum, estudante e amante dos esportes, que teve uma experiência espontânea de iluminação ou liberação, mudando para sempre sua vida. Ao deitar na cama prendendo a respiração como se estivesse morto,  Venkataraman percebeu que o Ser verdadeiro não era o corpo corruptível, tampouco a mente, mas infinito. O jovem, sem nenhum preparo religioso ou espiritual, teve de forma direta a  experiência da identidade do Eu (Atman) com o Absoluto (Brahman) e a certeza da eternidade do Real, assim como a percepção do caráter relativo do mundo (“maya”). Ele foi uma figura bastante atípica para o

Manifesto para uma educação integral

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  Manifesto para uma educação integral   Vivemos num mundo líquido : em um simples click , o universo desfila em um carrossel de imagens à nossa frente; em uma minúscula tela, uma avalanche de sensações e emoções, tão veloz e fugaz quanto um vídeo do Tik Tok ou um reel do Instagram. No entanto, este Oceano informacional que criamos nos engole e afoga. Nem Gutemberg nem Marshall MacLuhan sonhariam com tanta informação circulando, redes se conectando, fluxos infinitos, mas, impera a confusão, a desordem e a desinformação.  Imaginem todas as pessoas compartilhando o mundo todo... A utopia de John Lennon se realizou em nossos celulares, computadores e tablets, estamos unidos e próximos pelo milagre da fibra óptica e supercomputadores, no entanto, não sem ironia, esquecemos por vezes a pessoa ao lado na mesa, esquecemos como ser empáticos e como nos comunicarmos de verdade, esquecemos até de nós, e preferimos fugir nos labirintos do entretenimento; nos desumanizamos cada vez mais em nossa d

Sobre Aristóteles, Deus e a teologia (por Daniel Placido)

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  Introdução             Aristóteles muitas vezes tem sido apresentado como o paradigma do filósofo racionalista, quando não um materialista e ateu, alguém alheio à religiosidade, em contraste com seu mestre Platão, um filósofo claramente de inclinação espiritual e reivindicado pelos místicos de todos os tempos. Por exemplo, mais recentemente, Foucault (2006) na sua A Hermenêutica do Sujeito colocou Aristóteles como uma exceção dentro do quadro da Antiguidade, já que, ao contrário de pitagóricos, (neo)platônicos, cínicos, estóicos e outros, não teria tido uma preocupação explícita com a espiritualidade, ou seja, com o autoconhecimento e com o cuidado de si.             Todavia, acreditando-se na autenticidade do “testamento” de Aristóteles citado por Diógenes Láercio, segundo Enrico Berti (2022), o Estagirita, na realidade, praticava os rituais religiosos dos helênicos da época. É, assim, verossímil pensar que Aristóteles era um pagão politeísta que, se recusava os exageros da r

O que é o Vedanta? (por Daniel Placido -versão corrigida)

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    Conforme Usarski (2021) e Knott (1998), a complexa tradição das escrituras sagradas hindus pode ser dividida em duas categorias básicas: a) Shruti (aquilo que é ouvido): são textos considerados revelações divinas, sem uma autoria humana, como os Vedas, os Brahmanas, os Aranyakas e os Upanishades; b) Smriti (aquele que é lembrado): textos essenciais mas que não têm o mesmo status da Shruti, como os épicos Mahabharata (incluindo a Bhagavad Gita) e Ramanaya, Puranas, Sutras etc. Como pondera Usarski (2021), os Vedas são formados em grande parte por hinos, divididos tradicionalmente em coletâneas: Rig-Veda, Sama-Veda, Yajur-Veda e Atharva-Veda. Entre 800-500 AEC, com a evolução do próprio hinduísmo, surgiu a coletânea de textos aforísticos conhecida como Upanishades. Eles seriam frutos de ambientes esotéricos em que discípulos sentados recebiam a instrução de um mestre também sentado mas um pouco acima deles. Aqueles Upanishades que têm maior relevância filosófica são o Brihadara

Nota sobre monoteísmo e politeísmo (por Daniel Placido)

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Edward Butler (2021) considera que o termo “teologia”, criado por Platão e Aristóteles, inicialmente se referia à uma pluralidade de deuses, à luz do politeísmo, e não tem relação com um Deus único criador, tal como a teologia posterior irá entendê-lo. Ainda que exista uma reflexão de matiz platônica sutil sobre o Uno, este não se confunde com uma unidade numérica, tampouco com o Ser, nem com qualquer objeto, sendo na verdade o princípio de individuação que permite a multiplicidade, sem relação com a concepção  teológica de um Deus único. Em uma linha de pensamento análoga, Henry Corbin (2003) faz uma crítica interessante à visão monoteísta na obra “Paradoxo do monoteísmo”. Corbin considera que o monoteísmo puramente exotérico e catafático, em sua tentativa de racionalizar o mistério divino em termos teológicos, leva à morte niilista de Deus. A visão sobre o Deus-uno, para ser aceitável, pressupõe acompanhamento de uma teologia apofática que, através de uma teosofia, mantenha inefáve

A crítica de Husserl ao positivismo (por Daniel R. Placido)

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I ntrodução Neste texto, abordaremos e reconstruiremos os pontos principais da crítica do filósofo alemão Edmund Husserl ao positivismo, à luz da obra Ideias para uma fenomenologia pura e para uma filosofia fenomenológica, ou Ideias I (original de 1913). Mas o que foi o positivismo enquanto filosofia? O positivismo teve como precursores filósofos como Condorcet e Saint-Simon, que, apesar de já abraçarem uma visão de mundo na direção do cientificismo e do evolucionismo histórico, mantiveram uma visão crítica da sociedade de sua época. Mais tarde, um ex-aluno conservador de Saint-Simon, Auguste Comte, publicou de modo paulatino a obra Curso de Filosofia Positiva , entre 1830-1842. A filosofia positivista de Comte era marcada por uma visão evolucionista da história, com um esquema subjacente de três estágios evolutivos: primeiro o estágio mítico-teológico, em que os seres humanos acreditavam em seres e forças sobrenaturais que deviam ser agradadas; depois o estágio metafísico, corr