Manifesto para uma educação integral
Manifesto
para uma educação integral
Vivemos num mundo líquido: em um simples click, o universo desfila em um
carrossel de imagens à nossa frente; em uma minúscula tela, uma avalanche de
sensações e emoções, tão veloz e fugaz quanto um vídeo do Tik Tok ou um reel do
Instagram. No entanto, este Oceano informacional que criamos nos engole e
afoga. Nem Gutemberg nem Marshall MacLuhan sonhariam com tanta informação
circulando, redes se conectando, fluxos infinitos, mas, impera a confusão, a
desordem e a desinformação.
Imaginem todas as pessoas compartilhando o mundo
todo... A utopia de John Lennon se realizou em nossos celulares, computadores e
tablets, estamos unidos e próximos pelo milagre da fibra óptica e
supercomputadores, no entanto, não sem ironia, esquecemos por vezes a pessoa ao
lado na mesa, esquecemos como ser empáticos e como nos comunicarmos de verdade,
esquecemos até de nós, e preferimos fugir nos labirintos do entretenimento; nos
desumanizamos cada vez mais em nossa dependência de aparelhinhos infernais que
nos controlam e alienam, falhamos conosco e com os outros...
Fluimos sob uma liquidez na qual as identidades
são abaladas, refiguradas e transcendidas constantemente... Querer ir
além, querer rejeitar identidades fixas, superar limites, padrões, barreiras e
falsas universalidades muitas vezes é não apenas importante, mas necessário. No
entanto, uma expansão sem um eixo de referência é apenas uma corrida maluca sem
um objetivo, é ficar perdido eternamente em uma Babel-mundo, é um beco sem
saída!
Olhando dentro de nós e no espelho que é o
Outro, percebemos que as perguntas antigas ainda ecoam, ontem como hoje. Quem
somos? De onde viemos? Para onde vamos? Em Delfos, outrora ou agora, ainda é
verdadeiro o adágio “Conhece-te a ti mesmo”. No mundo antigo como agora, a
Esfinge ainda precisa ser decifrada, antes que sejamos devorados. O Zarastustra
de Nietzsche queria anunciar o além do homem, contudo, confiamos mais no
Zarastustra persa: enquanto se banhava no lago, ele encontrou os seres
angélicos, emissários de Ahura Mazda, o Deus supremo e perfeitamente bom. Eles
lhe confiaram uma mensagem crucial, pois nele viram não só um homem, mas o
Homem Verdadeiro ou o Homem Universal. E a mensagem dele e dos grandes mestres
ainda ressoa, se tivermos ouvidos para ouvi-la.
Ademais, é trágico e tolo desdenhar totalmente
do passado, pretender zerar a experiência humana de milênios, rejeitar pegadas
e pistas daqueles que nos antecedem, não para repetir seus passos, mas para nos
indicar algo ao mesmo tempo misterioso e relevante. Nesse sentido, aceitamos as
referências das tradições de sabedoria, como mapas que indicam algo, ainda que
o caminho precise ser percorrido por cada um de nós, hoje, independente do mapa
em mãos. Elas discorrem sobre o ser humano em sua integralidade, e
mostram que ele, assim como o mundo, é composto de diversos níveis. E que ele
pode realizar em si a plenitude divina e humana, atravessando e integrando
esses diferentes níveis da realidade, utilizando métodos precisos para isso.
Isso não faz de nós tradicionalistas, tampouco
implica em desdenhar da modernidade ou da pós-modernidade. Nós as integramos,
assim como abraçamos a complexidade do mundo e das diversas culturas humanas,
pois em sua universalidade este ser humano universal almejado é diverso,
plural, infinito. Como os pós-modernos, buscamos compreender, abraçar e
integrar todas as tradições e culturas, tudo que é diferente, extemporâneo,
exótico, novo ou antigo, contudo, esse abraço generoso não nega o universal,
não nega a convicção mais profunda e sólida de que a humanidade é una ao mesmo
tempo. Esse abraço não é apenas justapor aquilo que foi separado e fragmentado,
e muitas vezes negado, pelo mundo moderno e pós-moderno, mas é um abraço que
busca reunir, reaproximar, dialogar, pois em nossa diversidade compartilhamos a
mesma unidade ou universalidade humana intrínseca e a mesma mãe Terra como
nossa Casa comum, e os infinitos quartos e espaços dentro dela não podem anular
esta unidade primeva.
Por falar em Casa, aqui estamos n’ A Casa, eis
um espaço ou laboratório de encontros e experiências desta diversidade humana
e cultural. Todas as terapias, formas de arte, filosofias, saberes e tradições
aqui são benvindas. Aqui unimos ciência, espiritualidade e arte. Filosofia,
ciência, religião. Arte erudita, arte popular, arte moderna, arte pré-moderna,
arte pós-moderna. O Pacaembu, ou o centro, com o periférico; o centro e o que
está à margem ou na margem. Unimos tudo e todos, sem que deixemos de ser muitas
coisas. Este é, então, um espaço fundamentalmente de Educação. Mas de qual
Educação falamos?
Não falamos daquela Educação disciplinar,
reducionista e bancária, que trata o ser humano como um mero depósito de
informações, mas de uma educação realmente humana, dialética, dialógica,
pluridisciplinar, interdisciplinar, transdisciplinar, pluricultural,
intercultural e transcultural na qual o saber é construído por todas as partes
envolvidas.
Não falamos sobre uma Educação voltada
unicamente para uma profissão e para a subsistência, rebaixando a formação do
ser humano e o desenvolvimento de suas habilidades a um discurso tosco de
empreender para lucrar ou de alto desempenho para conseguir passar no
vestibular mais concorrido.
Falamos de uma Educação integral, que eduque não
só a mente, mas o corpo, a alma e o espírito: que ensine não apenas a pensar e
refletir, mas também o autoconhecimento dos muitos níveis (transcendentes e
imanentes) do ser humano, a lidar com o corpo, com as emoções e
paixões, com as aspirações mais convencionais, materiais e existenciais mas
também com aquelas mais elevadas, mais espirituais e mais sublimes. Que não
exercite apenas a razão ou a memória,
mas, junto com o corpo, a imaginação, o sentimento; a intuição do coração e a
intuição do numinoso. Que não trabalhe apenas a repetição ou o cálculo, mas
a criação, a contemplação e a liberdade.
Falamos assim, fechando o ciclo, de uma Educação
que contribua para a realização integral do ser humano e que encare de vez a
Esfinge: una cada um a si mesmo e aos outros, ao universo e todos os mundos e
níveis de realidade, que faça o caminho de retorno do múltiplo ao Uno, já que,
como disse Ken Wilber, “o impulso mais profundo de uma pessoa – o impulso
principal do qual todos os outros são derivados - é o de realizar todo o Grande
Ninho [do Ser ] por meio do veículo do próprio ser [singular de cada pessoa], de modo que ela se torne, na plena realização de
si mesma, um veículo do Espírito que brilha radiantemente e benevolentemente
para o mundo. Somos todos filhos e filhas da Realidade divina, que é a Meta [e o
Fundamento/Origem] de cada gesto no Kosmos, e não repousaremos até que a nossa
própria Face Original nos faça uma saudação sublime a cada nascer do dia”.
Alexandre
Bacci
Americo
Sommerman
Daniel
Placido
Horacio
José de Souza Neto
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