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Mostrando postagens de janeiro, 2022

Notas sobre J. R. R. Tolkien (por Daniel Placido)

  Sou um amante da obra de J. R. R. Tolkien, conquanto estou longe de ser um profundo conhecedor dela, por isso escrevo estas notas com a pretensão de um dia desenvolvê-las mais adequadamente; agradeço de antemão possíveis críticas e comentários, desde que sejam civilizados e tempestivos. I- Tolkien era profundamente versado na literatura arthuriana, inclusive chegou a compor um poema aliterativo sobre o Rei Arthur além de editar a lenda medieval “Sir Gawain e o Cavaleiro Verde”. Ele também era um conhecedor da mitologia celta (galesa e irlandesa), apesar de seu intuito ser a criação de uma mitologia própria para a Inglaterra, o que gerava nele uma certa tensão interna (FIMI, 2021). De qualquer forma, à luz desse contexto, não é surpreendente que o par Aragorn-Gandalf lembre bastante o par Arthur-Merlin (HALL, 2012). Nos termos da teoria da tripartição indo-europeia, Aragorn encarna o grande rei, representando o poder temporal, e Gandalf encarna o sacerdote (druida), representando a

Magia Ocidental: pequena antologia (Organização Daniel Placido)

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  "...muitos seres são, com efeito, atraídos e enfeitiçados mesmo sem as manipulações de um terceiro: a verdadeira magia consiste na Amizade e Discórdia que se alternam no universo, e o primeiro mago e feiticeiro é o universo; e como há homens que o conhecem a fundo, se valem de suas ervas e de seus feitiços para atuar uns sobre os outros." (Plotino, “Enéada”, 4.4.40, 4-9, apud “Magia y neoplatonismo en Ficino”, Jesús de Garay, In: Hombre y cultura. Estudios en homenaje a Jacinto Choza, Francisco Rodríguez Valls (ed. lit.), Juan José Padial Benticuaga (ed. lit.), 2016, pp. 217-232 )   "Os sacerdotes compreendendo que tudo está em tudo, hão constituído a ciência sagrada a partir da simpatia que existe de todos os fenômenos entre si, e entre eles e os poderes invisíveis, admirando-se ao contemplar o último no primeiro e no último o primeiríssimo, vendo no céu de um modo causal e celeste as realidades terrestres, e observando na terra de um modo terrestre as realidade

Nota sobre a questão da filosofia oriental (por Daniel Placido)

Giovanni Reale, contra a tese de uma influência oriental no nascimento da filosofia grega, enfatiza a originalidade dos gregos da Jônia na criação do que veio a ser chamado de filosofia , representando uma ruptura cultural drástica e singular sem paralelo em outros povos. Ele reconhece a influência oriental em outras áreas (como a matemática) e que a teoria dessa influência sobre a filosofia grega já existia entre os antigos, mas que ela seria muito mais fruto de uma suposta “decadência” da cultura helênica no período tardo-antigo, em contraste com o período clássico. Contra a visão de Reale e outros que vão nessa linha, existem trabalhos histórico-filosóficos que evidenciam as influências do pensamento oriental sobre a filosofia grega nascente (de Walter Burkert a F. G. Bazán), o que tem a ver, antes de mais nada, com relações de cunho político e econômico que sempre existiram entre esses mundos, e isso é suficiente para o questionamento das tradicionais leituras eurocêntricas que n

Gnosticismo: pessimismo ou emancipação social? (por Daniel Placido)

  É impressionante quantas leituras e interpretações distintas o gnosticismo (ou melhor, gnosticismos) suscita, e, como era de se esperar, elas não estão isentas de pressupostos ideológicos dos próprios intérpretes. Para alguns – como o conservador L. F. Pondé-, os gnósticos eram anti-humanistas, pessimistas e dualistas, tendo levado ao extremo a máxima jesuânica "O Meu Reino não é deste mundo", hipostasiando o dualismo platônico. O Deus verdadeiro é completamente outro-mundano; Ele não queria ter criado este mundo nem o fez, sendo a criação realizada por derivações divinas, Sophia ou então o Demiurgo, a partir de um erro catastrófico, uma queda cósmico-espiritual vertiginosa. Os gnósticos não acreditavam no mundo nem em uma antropologia ingênua e otimista, segundo tal leitura. O gnóstico seria, fundamentalmente, um exilado querendo voltar para sua pátria verdadeira, e não alguém preocupado com esta terra estranha e um tanto madrasta. Ora, para começar a conversa, quando fa

Entre a filosofia e a caridade (por Daniel Placido)

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Leo Strauss apontou um duplo pilar como fundamento da cultura ocidental, simbolizado em duas cidades distintas: Jerusalém (a sabedoria bíblica, da qual o cristianismo é derivado) e Atenas (a sabedoria ou filosofia grega). Em uma direção parecida, o grande helenista F. M. Cornford disse que o racionalismo ocidental derivava dos gregos, especialmente do aristotelismo, o qual abarcava da metafísica a física/ biologia, com a pretensão de encontrar uma resposta para cada questão possível, cujo risco constante, todavia, era o de tornar-se um monumento vazio. Em contrapartida, o cristianismo afirmou a caridade, inclusive poetas medievais como Dante tentaram, provavelmente sem muito sucesso, infundir no desejo aristotélico pelo Motor imóvel aquele Amor um tanto cristão que move o sol e as outras estrelas. O tradicionalista F. Schuon praticamente está de acordo com a ideia de Cornford.  O Ocidente, através da filosofia grega (Pitágoras, Platão, Aristóteles, Plotino) detinha a perspectiva do

Gemistos Plethon, Sohravardî: Ideias, anjos e deuses (por Daniel Placido)

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    Especula-se que Gemistos Plethon tenha tido por mestre um judeu chamado Eliseu, o qual seria, supostamente, versado na tradição da filosofia iluminacionista de Sohravardî.  Realidade histórica ou não essa relação, as semelhanças entre Sohravardî-Plethon -- apesar de separados no tempo e no espaço -- são supreendentes. Possivelmente elas devem-se a uma matriz platônico-zoroastriana mais ou menos comum, que, inclusive, fez com que ambos os filósofos se considerassem continuadores de uma linhagem ancestral de sábios, a qual incluiria figuras como Zoroastro, Pitágoras, Platão, entre muitos outros. Quando encaramos a forma como eles interpretaram as ideias platônicas, mais convergências aparecem. Sohravardî ( Kitab hikmat al-ishraq e  Al - Mutarahdt) concebe a realidade como um emanação de substâncias angélicas, as quais derivam de um primeiro princípio, chamado de Luz das Luzes. Dele emana o Primeiro Intelecto ou Arcanjo (Bahman), e daí uma cadeia de luzes inteligíveis ou anjos qu

Vegetarianismo e Tradições (Breve Antologia)

  Orfismo "De fato, vemos que a prática de sacrifícios humanos persiste ainda hoje entre muitas raças, enquanto em outras partes ouvirmos falar de um estado oposto, quando não podíamos provar nem da carne de boi e os sacrifícios feitos aos deuses não eram de animais, mas de bolos e frutas da terra encharcadas de mel e outras oferendas igualmente puras e sem sangue. Os homens se abstinham da carne porque seria ímpio come-la. ou manchar os altares dos deuses com sangue. Era uma especie de vida órfica, como é chamada, que era levada por aqueles da nossa especie que estavam vivos então, comendo livremente das coisas inanimadas, mas se abstendo do que fosse animado."(Platão, Leis, 782c) Pitagorismo “Aquele, seja quem for”, disse Pitágoras de Samos, “que para desgostar os homens dos alimentos inocentes com que se alimentavam, criou o costume de comer a carne dos animais, abriu na mesma hora a porta a crimes de todo o gênero; porque foi sem dúvida pela carnificina desses animais

Notas sobre Filosofia Perene (por Daniel Placido)

I- Proponho três eixos básicos para identificar a Filosofia Perene: 1- junção ou harmonização entre filosofia e teologia; 2- concordância entre tradições, dentro de um arco maior ou menor de amplitude; 3- existência de uma linhagem ou linhagens que veiculariam essa sabedoria perene. O item 1 é consideravelmente recorrente, já os itens 2 e 3 são mais raros e específicos, e realmente caracterizam autores e correntes que podem ser relacionados com a Filosofia Perene, como Proclo ou Sohravardî. Como exemplo, citarei Ficino no capítulo XVIII do seu "The Philebus Commentary" , de 1469: "But as the ancient theologians said - those whom Plato followed, Zoroaster, Hermes Trismegistus, Orpheus, Aglaophemus, Pythagoras - the vain belief in many gods arose universally from the many names of the Ideas. But the Christian theologians, Dionysius the Areopagite and St. Augustine, also maintain that the Ideas must be they accepted as true and that they ware so accepted by Plato." (t

Apresentação

Meu nome é Daniel Rodrigues Placido, tenho 38 anos, sou professor do ensino básico, formado em Filosofia pela USP, especialista em História Social pela PUC-SP e mestrando em Filosofia pela UFU (pesquisa sobre Marsílio Ficino). Desde os 16 anos tenho pesquisado temas tais como perenialismo, teosofia, antroposofia, neoplatonismo, gnosticismo, sufismo, Vedanta, entre outros,  alguns dos quais acabei por integrar, parcialmente, à minha pesquisa acadêmica. Em breve estarei lançando um livro, "Theosophia Perennis: escritos para uma filosofia teosófica" (Clube do Autor),  coletânea de artigos e textos que escrevi desde 2008, alguns já publicados (revistas, sites, livros), outros inéditos.  O conteúdo do livro tem relação com a proposta deste blog: discorrer sobre autores, correntes e temas relacionados com a Teosofia Perene ou Filosofia Perene, presente, de várias formas, tanto no Ocidente quanto no Oriente. Esclareço que a forma como encaro a Teosofia Perene é pluralista, dialética