Magia Ocidental: pequena antologia (Organização Daniel Placido)

 "...muitos seres são, com efeito, atraídos e enfeitiçados mesmo sem as manipulações de um terceiro: a verdadeira magia consiste na Amizade e Discórdia que se alternam no universo, e o primeiro mago e feiticeiro é o universo; e como há homens que o conhecem a fundo, se valem de suas ervas e de seus feitiços para atuar uns sobre os outros."

(Plotino, “Enéada”, 4.4.40, 4-9, apud “Magia y neoplatonismo en Ficino”, Jesús de Garay, In: Hombre y cultura. Estudios en homenaje a Jacinto Choza, Francisco Rodríguez Valls (ed. lit.), Juan José Padial Benticuaga (ed. lit.), 2016, pp. 217-232 )

 


"Os sacerdotes compreendendo que tudo está em tudo, hão constituído a ciência sagrada a partir da simpatia que existe de todos os fenômenos entre si, e entre eles e os poderes invisíveis, admirando-se ao contemplar o último no primeiro e no último o primeiríssimo, vendo no céu de um modo causal e celeste as realidades terrestres, e observando na terra de um modo terrestre as realidades do céu."

(Proclo, “De sacrifício”, 2-7,  Ibidem)

 


"...Mas por que julgamos o amor mago? Porque toda a força da magia consiste no amor. A obra da magia é uma contração de um a outro por semelhança de natureza. Entretanto, as partes deste mundo, como membros de um único animal, todos dependentes de um único autor, são conjuntamente associados por comunhão de uma única natureza.... 

Do parentesco comum nasce o amor comum, e do amor, a contração comum. Logo, esta é a verdadeira magia. Assim, da concavidade do orbe da Lua, o fogo é atraído para o alto pela congruência da natureza, e também a água é tirada do seu lugar. Assim, o magneto desvia para si o ferro; o eletro, as limalhas; o enxofre, o fogo; o Sol, muitas flores e folhas; a Lua, as águas; Marte costuma incitar os ventos, e várias ervas também atraem para si vários tipos de animais. Nos assuntos humanos o prazer atrai a cada um. Logo as obras da magia são obras da natureza; e, decerto, a arte é ministra. Na verdade a arte, quando falta algo ao parentesco natural, acrescenta isto aos tempos oportunos pelos vapores, números, figuras e qualidades. 

...Alguns são contados como amigos entre estes ou por uma certa semelhança da natureza como Zoroastro e Sócrates, quer como amados pelo culto, como Apolônio de Tiana e Porfírio. Por isso, diz-se que os sinais, as vozes e os presságios tocam com diligência, ou ainda os oráculos pelos que dormiam e as imagens pelos demônios. Quem parece ter se tornado mago por amizade aos demônios, como os demônios são mágicos, são conhecedores da amizade das próprias coisas. E toda a natureza é denominada mágica pelo amor recíproco.

 (Marsílio Ficino, In: “Tradução e Comentários O livro do Amor: comentário sobre o Convívio de Platão”, VI, 10, tradução de Ana Thereza Vieira, 2017)

 


"Pela fé e imaginação nós podemos realizar qualquer coisa que desejamos. O poder da fé sobrepuja todos os poderes da natureza porque é um poder espiritual, e o espírito é mais alto que a natureza. Qualquer coisa que cresce pelo poder da natureza pode ser mudada pelo poder da fé, e pela fé muitas doenças podem ser curadas.” (...) Uma poderosa vontade pode curar onde a dúvida terminará em fracasso. (...) A alquimia – ou seja, o emprego de uma vontade forte, benevolente, caridosa, etc. – é, portanto, a pedra angular principal na prática da medicina.” 

"A pessoa que afunda em profundo pensamento e, por assim dizer, se afoga na própria alma, é como aquele que perdeu seus sentidos e o mundo olha ele como um tolo. Mas na consciência do Supremo ele é sábio, e ele é, por assim dizer, amigo confidente de Deus, conhecendo muito mais dos mistérios de Deus do que aqueles que recebem o seu conhecimento superficial através das avenidas dos sentidos; porque ele pode alcançar Deus através de sua alma, Cristo através de sua fé e atrai o Espírito Santo através da imaginação exaltada."

"O homem (sideral) interior é formado do mesmo Limbus [mesma materia] do macrocosmo e, portanto, ele é capaz de participar em toda a sabedoria e conhecimento existente neste último. Ele pode obter conhecimento de todas as criaturas,(...) porque a sua própria alma é a quintessência de tudo na criação, e ele está conectado simpaticamente com toda a natureza; e, portanto, cada mudança que tem lugar no macrocosmo pode ser detectada pela essência etérea que rodeia seu espírito e pode vir para a consciência e compreensão do homem."

"As coisas ocultas (da alma) que não podem ser percebidas pelos sentidos físicos podem ser encontradas através do corpo sideral, por meio de tal organismo podemos ver a Natureza do mesmo modo como o sol brilha através de um vidro. A natureza interior de tudo, portanto, pode ser conhecida por meio da Magia, através dos poderes da visão interior. Estes são os poderes pelos quais todos os segredos da Natureza podem ser descobertos, e é necessário que um médico seja instruído e torne-se bem versado nesta arte, e ele deve ser capaz de descobrir muito mais sobre a doença do paciente pela sua própria percepção interior, do que pelo questionamento do paciente."

(Paracelso, apud Martinho Antônio Bittencourt de Castro. “Interação entre Religião e Ciência em Paracelso”, Revista Opinião Filosófica, Porto Alegre, v. 05; nº. 01, 2014)

 


"Pois nossa mente afeta diversas coisas por meio da fé, que é uma firme adesão, uma intenção fixa e uma aplicação veemente do operador ou receptor, àquele que coopera com alguma coisa, e dá poder à obra que pretendemos fazer. De modo que ela é feita à imagem da virtude a ser recebida e à coisa a ser feita em nós ou por nós. 

Devemos, então, em toda obra e aplicação das coisas, imprimir com veemência a afetação, imaginando, esperando e acreditando com força, pois será uma grande ajuda...Verifica entre os médicos que uma crença forte, uma esperança indubitável, um amor pelo próprio médico e pelo remédio induzem à saúde, às vezes com mais eficácia que o remédio em si. Pois assim como a eficácia e a virtude do remédio funcionam, o mesmo faz a imaginação do médico, sendo capaz de mudar as qualidades no corpo do doente, principalmente quando o paciente deposita muita confiança no médico, colocando-se assim predisposto a receber a virtude dele....Pois uma crença firme e forte pode fazer coisas maravilhosas...; a desconfiança e a dúvida dissipam e quebram a virtude da mente do operador, que é o meio entre os dois extremos, fazendo com que fique frustrado da influência desejada dos superiores, que não superiores, que não pode se unir às nossas obras sem uma virtude firme, sólida, de nossa mente."

(H. C. Agripa, "Três livros de Filosofia Oculta". São Paulo: Madras, 2012)

           

            



“A vontade que vai resolutamente adiante de si é a fé: ela modela sua própria forma em espírito. Ela também tem o poder de formar outra imagem em espírito fora do centrum da Natureza....

Entende-nos assim: a firme vontade (que de outro modo se chama fé) pode, por meio do espírito, realizar grandes coisas. A vontade pode mesmo dar ao espírito outra forma, como se segue: ainda que o espírito seja um anjo, uma imagem de Deus, a vontade pode fazer dele um demônio insensato —do mesmo modo que pode fazer de um demônio um anjo —, contanto que ele se precipite na morte, na humildade sob a cruz e mergulhe de novo no Espírito de Deus, de modo que se submeta ao Seu governo. Então ele passa do tormento para a pacífica eternidade, para o tranquilo Nada —que, no entanto, é Tudo —e encontra-se de novo no início, ali onde Deus o criou. Ele é recebido de pronto pelo verbo fiat, que contém a imagem de Deus.

E, em terceiro lugar, o espírito da alma tem o poder de levar sua influência a outro homem, até à medula e aos seus ossos, isto é, ao seu enxofre; e [pode] introduzir ali a turba, se ele forma, no caso de esse homem não estar armado com o Espírito de Deus e estiver nu no espírito deste mundo...

Em quinto lugar, o espírito da alma tem o poder de se dar a todas as maravilhas que estão na Natureza, às artes, às línguas, à arquitetura, à agricultura.... Ele pode comandar os céus estrelados, como Josué ordenou ao Sol que parasse e Moisés ordenou ao mar [que se abrisse], e, às trevas, que viessem. Ele pode produzir uma vida terrestre, como Moisés produziu piolhos, rãs, serpentes e outros prodígios. Se ele viaja na carruagem da esposa, pode manter até mesmo a morte na impotência... Se estiver unido a Deus, ele pode conter e subjugar os demônios. Não é possível nomear nada que ele não possa submeter. Só é preciso saber que a alma recebeu este poder em sua origem, e que ela teria tido o poder de produzir, de si mesma, um espírito como esse, se não tivesse deixado entrar nela a grande turba [turba magna],que agora a mantém em trabalho...

Dessa maneira, qualquer homem pode escapar dos falsos magos e dos nigromantes, uma vez que poder algum pode atingir aquele em quem Deus habita. Assim como, ao morrer, Cristo submeteu o demônio e a morte, também podemos [fazer o mesmo] em Cristo, pois a Palavra que se fez homem permanece em nós; e, nessa Palavra, podemos dominar o demônio e o Inferno. Não há nada que nos detenha.”

 (Jacob Boehme, In: “As quarenta questões sobre a alma”, Sexta Questão. São Paulo: Polar, 2005)

 


 



"Trêmulo permaneço dia e noite, meus amigos se espantam.

Mas perdoam o meu divagar, pois não descanso de minha grande tarefa!

Abrir os Mundos Eternos, abrir do Homem

Os Olhos Imortais aos Mundos do Pensamento: à Eternidade

Em contínua expansão no Seio de Deus, a Imaginação Humana.

Oh, Salvador, verte sobre mim teu Espírito de mansidão e amor:

Aniquila em mim o Egoísmo, sê toda a minha vida!»

(William Blake,  “Jerusalém”, Invocação: capítulo I, trad. Yuri Vieira)



 

“E ali dentro está a vontade que não morre. Quem conhece os mistérios da vontade, bem como vigor? Porque Deus é apenas uma grande vontade, penetrando todas as coisas pela qualidade de sua aplicação. O homem não se submete aos anjos nem se rende inteiramente à morte, a não ser pela fraqueza de sua débil vontade.”

(Citação atribuída a Joseph Glanvill, E. A. Poe, “Ligeia”)

 



"Magnetismo animal, curas simpáticas, magia, segunda visão, sonho perceptivo, visão espectral e visões de todas as classes são fenômenos afins, ramos de um mesmo tronco, e oferecem indícios seguros e irrefutáveis de uma conexão entre os seres fundada em uma ordem das coisas totalmente diferente à da natureza, a qual tem por base as leis do espaço, tempo e causalidade; enquanto que aquela outra ordem é mais profunda, originária e imediata, por isso que, diante desta ordem, as leis da natureza primeiras e mais universais, por serem puramente formais, 
não têm validade, e como consequência o tempo e o espaço já não separam os indivíduos, nem a segregação e o isolamento dos mesmos devido àquelas formas estabelece ainda limites insuperáveis para a 
comunicação dos pensamentos e para o fluxo imediato da vontade; de modo que se originam trocas por uma via totalmente distinta da causalidade física e a cadeia conexa de seus membros, a saber: simplesmente em virtude de um ato da vontade manifestado de uma forma especial e, assim, potencializado além do indivíduo. Por conseguinte, o caráter peculiar de todos os fenômenos animais dos que aqui falamos é a visio in distans et actio in distans, tanto no tempo quanto no espaço"
(Schopenhauer, Apud Schopenhauer e aMagia, Luan Correa da Silva)

"Eu acredito na prática e filosofia do que concordamos em chamar de magia, desde que devo chamar de evocação de espíritos, mesmo que eu não saiba o que são, no poder de criar ilusões mágicas, nas visões daquela verdade que reside nas profundezas do mente quando os olhos estão fechados; e eu acredito em três doutrinas, que passaram de geração a geração, se não me engano, desde o início dos tempos, e que formam a base de quase todas as práticas mágicas. Essas doutrinas são:

Que os limites da mente nunca cessam de mudar, e que muitas mentes podem convergir, por assim dizer, e criar ou revelar uma única mente, uma única energia.

Que os limites da nossa memória são os mesmos mudando, e que nossas memórias formam parte de uma grande memória, a memória da própria natureza.

Que esta grande mente e esta grande memória podem ser evocadas por meio de símbolos.

Muitas vezes penso que deixaria de acreditar em magia se pudesse, pois hei chegado a ver ou imaginar, em homens e mulheres, em casas, no artesanato, em quase tudo que pode visto e ouvido, uma certa maldade, uma certa fealdade, que provém do lento desaparecimento, junto dos séculos, de uma qualidade mental que fez com que essa crença e as evidências que sustentavam fossem comuns em todo o mundo.”

(W. B. Yeats, In: “Magia”, compilado por Matías Battistón. Buenos Aires: Interzona Editora, 2018, pp. 23-24, tradução minha do excerto)



Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

O que é o Vedanta? (por Daniel Placido -versão corrigida)

A mística de Plotino hoje e o Vedanta (por Daniel Placido)

ABC do conceito de Gnose em Henry Corbin (por Daniel Placido)