Entre a filosofia e a caridade (por Daniel Placido)
Leo Strauss apontou um duplo pilar como fundamento da cultura ocidental, simbolizado em duas cidades distintas: Jerusalém (a sabedoria bíblica, da qual o cristianismo é derivado) e Atenas (a sabedoria ou filosofia grega).
Em uma direção parecida, o grande
helenista F. M. Cornford disse que o racionalismo ocidental derivava dos gregos,
especialmente do aristotelismo, o qual abarcava da metafísica a física/ biologia, com a pretensão de encontrar uma resposta para cada questão possível, cujo
risco constante, todavia, era o de tornar-se um monumento vazio. Em
contrapartida, o cristianismo afirmou a caridade, inclusive poetas medievais
como Dante tentaram, provavelmente sem muito sucesso, infundir no desejo
aristotélico pelo Motor imóvel aquele Amor um tanto cristão que move o sol e as outras estrelas.
O tradicionalista F. Schuon praticamente está de acordo com a ideia de Cornford. O Ocidente, através da filosofia grega (Pitágoras, Platão, Aristóteles, Plotino) detinha a perspectiva do conhecimento, enquanto o Amor só aparecia de forma sutil nos cultos de mistérios. Ao contrário da Índia, que conciliava naturalmente jnana e bhakti, o Ocidente não conhecia o Amor na forma de caridade, e por isso precisou da chegada de um componente estrangeiro, o Cristianismo, para infundir nele tal elemento caritativo, e que essa marca manteve-se presente na racionalidade ocidental, cristianizada.
Como lembra Cornford, ambas as tendências são complementares, evidentemente: a mente afirmada pelos gregos e o sentimento pelo cristianismo. A modernidade, em certo sentido, criou uma desarmonia entre elas, mas não um divórcio definitivo. A meu ver, é necessário que nossa filosofia hoje seja urgentemente permeada pelo amor, ou persistirá como um sino que ressoa sem vida (I Aos Coríntios 13: 1), mas também que o amor seja permeado pela razão, ou será sentimentalismo cego e até mesmo fanatismo.
Obras de referência
Antes e depois de Sócrates, F. M. Cornford, Princípio, p. 78
O Sentido das Raças, F.Schuon. Ibrasa, p. 121
Jerusalém e Atenas, Leo Strauss, Ide (São Paulo) [online]. 2013, vol.36, n.56, pp. 15-47 .
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