Oriente-Luz em Sohravardî e J. Boehme (por Daniel Placido)
Pelo menos desde o “Hino da Peróla”, atribuído ao gnóstico Bardesanes, passando pelo mito medieval do Preste João, o Oriente tem sido associado simbolicamente à busca espiritual. Essa ideia, sob formas distintas, aparece em dois teósofos: Sohravardî e Jacob Boehme.
Sohravardî, segundo H. Corbin (En Islam Iranien: aspects spirituels
et philosophiques, vol. II, Sohrawardi et les platoniciens de Perse. Paris:
Gallimard, 1991, p. 38) chama o mundo angélico (Jabarût) de “Oriente maior”, e
o mundo da alma (Malakût), de “Oriente menor”. E entre eles está situado o
“Oriente Médio”: o mundo imaginal. E temos ainda o mundo físico e dos
elementos, considerado o “Ocidente”, o lugar de exílio -- a escuridão da
matéria -- para o qual as almas descem.
Sohravardî sustenta que os “peregrinos do espírito” podem ter acesso
direto a este mundo imaginal, objetivo e real, encontrado pelos profetas e
amigos de Deus, onde aparecem letras, sons, formas e figuras que tanto podem
ser uma réplica daquilo do que vemos quando estamos acordados no mundo
material, quanto podem adquirir vida e aspectos cambiantes, inclusive perfazem
aquelas imagens que são percebidas em sonhos e imaginadas por artistas. Essas
imagens têm uma existência real e autônoma, segundo Sohravardî.
Este é um mundo de Luz que pode ser alcançado através da morte
iniciática da alma para este mundo material, pois ela está dentro do mundo de
luz -ou melhor, esse mundo está dentro dela.
Diz Sohravardî no Al-Talwihat (parágrafo 85):
“A festa de Deus vai se tornar divina, vai honrar a Deus, vai
separar eles mesmos e passar pelas cavernas das duas montanhas do Banu ‘l-Akhyaf
para as duas montanhas do Oriente Menor para o Grande Oriente, alcançando o
Portão dos Portões.”(citado por John
Walbridge)
Jacob Boehme, por sua vez, considera que a alma humana, para se
regenerar, necessita experimentar uma transmutação, morrendo e renascendo
interiormente. Se quiser conhecer Deus e recuperar a imagem divina maculada,
precisa se esvaziar, aniquilar o ego, libertando-se da fantasia (falsa imaginação)
e da má vontade, ou seja, da vontade enquanto criatura separada do divino. Ele
deve morrer para si mesma e para o mundo, entregando-se à Deus e sua Vontade.
A alma em via de regeneração deve fazer um auto-exame diante do
Evangelho e dos preceitos cristãos, conduzida a um sincero arrependimento de
sua conduta e modo de vida ímpios e egoísta. Arrepender-se da inveja, soberba,
ódio e outros defeitos, e seguir o exemplo crístico de humildade, paciência,
equilíbrio e caridade. A raiz última desses feitos impiedosos e de todo mal é
uma só: a egoidade, o princípio do ego. Quebrando esse muro, o homem encontra
Deus.
Contudo, Boehme deixa claro, a alma não pode alcançar isso por si
mesma, mas através da Graça e da Luz de Deus; seu papel, simplesmente, é
derrubar os entraves a esse processo, deixando que Deus atue como quiser. Diz Boehme:
“... é necessário, em primeiro lugar, que o Sol que governa o dia,
a Luz sobrenatural e divina se eleve no centro do paraíso [o interior da alma],
e se estabeleça como o verdadeiro Oriente. Com grande poder, essa Luz abrirá
caminho através de suas trevas, como um pilar de fogo através de nuvens
escuras, e refletirá uma espécie de imagem de si própria [o Intelecto
iluminado] na luz inferior da natureza [a razão], que se sudordinará a ela...”(Sobre a vida suprassensível, In: A sabedoria divina: o caminho
da iluminação. São Paulo: Attar editorial, 1998, p. 89)
Independente das diferenças teosóficas, tanto Sohravardî quanto
Jacob Boehme associam a Luz com o Oriente, para o qual ascende espiritualmente o
gnóstico em sua busca por Deus.
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