Os anjos no esoterismo ocidental: antologia (por Daniel R. Placido)

 

O termo “anjo”, em hebraico malach e em grego aggelos, significa mensageiro. Basicamente, um anjo é entendido como uma espécie de delegado ou intermediário entre Deus e os homens, como no trecho bíblico, “O Anjo de Deus que marchava à cabeça dos Exércitos de Israel" (Êxodo, 15, 19).


Christ in the Sepulchre, Guarded by Angels (William Blake, 1805)



Na tradição esotérica ocidental, a concepção de anjo parece ser derivada basicamente de duas fontes: do judaísmo (possivelmente influenciado pelo zoroastrismo) e do neoplatonismo que, por sua vez, influenciará o cristianismo. Os anjos podem ser concebidos de diversas formas: como ordem específica dentro de uma hierarquia espiritual mais ampla (Pseudo-Dionísio); como uma espécie de duplo ou consorte espiritual com o qual o homem deve se reunir (gnosticismo) ou como entidades que podem ser invocadas e com as quais podemos se comunicar (teurgia); como seres similares aos humanos (Swedenborg), especialmente as crianças (J. Boehme); ou, ainda, como o futuro evolutivo da humanidade (Rudolf Steiner).


Abaixo fiz uma breve antologia, com alguns trechos e passagens de esoteristas ocidentais relacionadas com a angeologia; naturalmente, é apenas uma pequena amostra à luz de um tema tão vasto e diversificado (Daniel R. Placido).

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”...Jesus disse: “Vem, para que eu te possa ensinar mistérios que antes nenhum homem alguma vez viu. Pois existe um reino grande, infinito, cuja extensão nenhuma geração de anjos já viu, no qual há um espírito grande e invisível, aquele nenhum olho de anjo jamais viu, nenhum pensamento do coração jamais o pôde compreender e nunca se o chamou por algum nome”.

E apareceu uma nuvem brilhante, e ele falou: “Cria um anjo como meu servo”. Um anjo grandioso, que irradiava a eternidade divina, saiu daquela nuvem. Através dele, surgiram mais outros quatro anjos de outra nuvem e tornaram-se servos do eterno celestial. O eterno disse: “Deixa (...) surgir (...) e surgiu (...). E ele criou o primeiro astro para dominá-lo. Ele disse: “Cria anjos para servir-lhe”, e apareceram inúmeros coros de anjos. Ele disse: “Cria um mundo iluminado e foi criado”. Ele criou o segundo astro para dominá-lo, juntamente com inúmeros coros de anjos, que lhe ofereceram seus serviços. Dessa maneira também criou os outros mundos iluminados. Deixou-os dominar sobre eles e criou para eles coros incontáveis de anjos para ajudá-los...”

(Evangelho de Judas, tradução de Urbano Zilles, In: Rev. Trim. Porto Alegre, v. 36, Nº 154, Dez. 2006, pp. 905-916)

"“O que são, de fato, os anjos, além daqueles que revelam as intenções
de outros seres? E o que são aqueles que, por um lado, servem aos deuses,
e por outro lado dirigem os demônios, se não os anjos?
O nome“anjo” não é estranho à Grécia e não vem apenas da Teosofia Bárbara mas também Platão no Crátilo (407e-408b) diz que Hermes e Íris são “anjos” dos deuses, e ele declara abertamente que seu nome foi derivado de eírein, “falar”"

(Procli in Platonis Rem publicam commentarii, II, apud Brisson, Luc 2018. The angels in Proclus : messengers of the gods. In Luc Brisson, Seamus Joseph O'Neill & Andrei Timotin (eds.), Neoplatonic Demons and Angels. Brill, p. 215)



“As Sagradas Escrituras revelaram nove nomes para os seres celestes. Meu glorioso mestre os classificou em três hierarquias com três ordens cada uma. Afirmou-nos que a primeira é a que está sempre com Deus...As Sagradas Escrituras nos ensinam que os mais santos tronos e as ordens dotadas de muitos olhos e muitas asas (Êxodo 1: 1-28), que se chamam em hebraico querubins e serafins, estão colocados imediatamente ao redor de Deus, mais próximos que todos os demais.(...) Ele também disse que a segunda é constituída de virtudes, dominações e potestades; e que a terceira e última das hierarquias celestes é constituída de anjos, arcanjos e principados.”

(Pseudo-Dionísio, o Areopagita, In: A hierarquia celeste. SP: Polar, 2015, pp. 54-55)



“...a que compararei os anjos agora? Compará-los-ei às criancinhas que caminham juntas pelos jardins da primavera e colhem flores, foram coroadas com elas, levam-nas em suas mãos...num contínuo ir e vir. E quando chegam em casa, mostram com alegria aos seus pais a colheita que fizeram...é assim que se conduzem os santos anjos no céu. Eles se tomam pelas mãos, caminham pelas belas e floridas regiões dos céus, entretém-se com as magnificências das agradáveis e ricas produções, alimentam-se dos divinos e abençoados frutos, empregam em seus jogos as soberbas flores celestes, compondo magníficas coroas e experimentam encantadoras alegrias na deliciosa primavera de Deus. Ali só há doces afeições, um cordial amor, fraternos encontros, uma amável e abençoada sociedade onde um sempre vê nos outros sua felicidade e os honra.”

(Jacob Boehme, In: A Aurora Nascente. SP: Paulus, 1998)



"Não se pode jamais dizer que o céu esteja fora de alguém, mas dentro, porque todo anjo recebe o céu que está fora dele segundo a forma do céu que está dentro dele. Assim, é evidente o quanto se engana aquele que crê que vir ao céu é somente ser elevado entre os anjos, qualquer que seja ele quanto à sua vida interior, portanto, que o céu é dado a cada um por misericórdia imediata, quando, todavia, o fato é que nada do céu que
está fora influi nem é recebido, a não ser que o céu esteja dentro de alguém. (...) Saibam, pois, que cada homem nasce para o céu e que no céu é recebido aquele que, no mundo, recebe o céu em si, e é excluído aquele que o não recebe."

(Emanuel Swedenborg, In: O Céu, suas maravilhas e o Inferno, segundo o que foi visto e ouvido. Brasil: Edição das Doutrinas Celestes para a Nova Jerusalém, 2005 )



“(...) a um verdadeiro sábio do século IX não ocorreria admitir em Anjos, Arcanjos, ou Serafins algo que não fosse equivalente ao homem físico que vemos com os olhos [no sentido de ser uma entidade real]....Na época anterior ao século X, encontramos sábios que falavam de entidades espirituais, das chamadas inteligências do cosmo, como se falassem de entidades com as quais as pessoas se encontram, isso apesar de também saberem que tal conhecimento tinha deixado de ser um conhecimento comum dos homens há muito tempo...Os Serafins seriam caraterizados como seres em que não há sujeito nem objeto, em que sujeito e objeto convergem, seres que não diriam: 'Além de mim existem outras coisas', mas sim 'O mundo é, e eu sou o mundo, e o mundo sou eu', seres que só sabem de si mesmos, e que sabem de si mesmos através de uma vivência da qual o ser humano tem apenas um pálido reflexo quando, digamos, passa por uma experiência que o deixa numa exaltação ardente".

(Rudolf Steiner, In: Centros de mistérios na Idade Média. SP: Ed. João de Barro, pp. 8-9)



"Os Serafins são anjos de Kéther, a primeira séfira. São, pois, as primeiras criaturas a receber as emanações divinas. Eles estão mergulhados no oceano da matéria primordial ainda em plena ebulição e bebem na Fonte da Luz, na Fonte do amor, que é seu único alimento. Eles alimentam-se contemplando o Senhor e é por isso que são representados com os olhos por todo o corpo. Os Serafins são a mais perfeita manifestação do amor, pois o amor verdadeiro é uma contemplação".

(Omraam M. Aïvanhov, In: Pensamentos Cotidianos (coletânea). Lisboa: Ed. Prosveta, Vol. XI, 1998)

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