A iniciação segundo Rudolf Steiner – por Daniel Placido

 

A iniciação segundo Rudolf Steiner – por Daniel Placido*

 (*Publicado na Revista 777)

 

Introdução

 

            Neste pequeno artigo, discorremos a respeito da concepção de Rudolf Steiner (1861-1925), criador da Antroposofia ou Ciência do Espírito, sobre a iniciação, seus graus e formas. A Antroposofia, na medida em que procura se colocar como um esoterismo moderno, fundamentado no rigor científico, na espiritualidade como elemento objetivo e na entidade cósmica do Cristo, compreende a iniciação no contexto da modernidade como livre e baseada no pensar objetivo.

 

Iniciação de Rudolf Steiner

 Rudolf Steiner - Escola Rudolf Lanz

Steiner, desde a juventude, escreveu sobre a obra científica de Goethe, assim como desenvolveu uma filosofia original em livros como “Verdade e Ciência” e “A Filosofia da Liberdade”, nos quais tenta superar os limites impostos ao conhecimento humano pelo idealismo kantiano, além de ultrapassar os resquícios metafísicos da ética da liberdade de Fichte. Apesar do brilhantismo de sua inteligência, sua trajetória poderia ter sido a de um intelectual convencional, se não fossem três acontecimentos extraordinários nela. O primeiro, o fato de ser, desde criança, segundo afirmava, um clarividente capaz de perceber seres e entidades do mundo espiritual, fato que manteve em segredo durante muitos anos para não ser alvo de chacotas. O segundo, o de ter sido conduzido, quando tinha 21 anos, à presença de um mestre, talvez um rosacruz, o qual lhe aconselhou a unir ciência e religião, superando o materialismo em voga.  E o terceiro, sua aproximação com o mundo ocultista e o ingresso na “Sociedade Teosófica” na Alemanha, na qual começa a divulgar sua concepção esotérica, até a ruptura ocorrida em 1913, quando Steiner cria a Sociedade Antroposófica.

 

Iniciação e liberdade

No caminho da filosofia a Antroposofia, Steiner procurou constituir um estofo teórico-conceitual para comprovar de forma objetiva a realidade do mundo espiritual que afirmava perceber através de sua clarividência pessoal, assim como responder à questão epistemológica e ética sobre o fundamento da liberdade humana a partir do pensar desdobrado sobre si mesmo.

Para ele, o pensamento objetivo, auto-educado e exato conduz ao mundo espiritual, o qual é percebido pelo clarividente como uma realidade, apreendida através de um método científico-espiritual, tal como a ciência da natureza, por analogia, observa e descreve o mundo natural. Para que isso seja possível é preciso, além da metodologia proporcionada pela Ciência do Espírito (Antroposofia), o desenvolvimento interno dos órgãos de percepção supra-sensível, através de exercícios adequados; órgãos análogos aos sentidos físicos em relação ao mundo físico e chamados de chacras na tradição oriental. Dessa maneira, segundo Steiner, o homem pode penetrar com segurança no mundo espiritual dos arquétipos, certo de não padecer de visões, alucinações, autossugestão ou devaneio (STEINER, 1998: 11-18).

Não obstante em obras como Os graus do conhecimento superior Steiner (1996) ponderar que o mestre ainda pode ter o papel de condutor do aspirante à iniciação, desde que a sua relação com o discípulo seja flexível, sem ter sobre este uma autoridade absoluta, ele tende a considerar que a iniciação, em nossa época, pode ser feita de forma individual (auto-iniciação), através de exercícios práticos realizados pelo próprio aspirante à senda espiritual, sem necessariamente a presença de um mestre ou de ritos iniciáticos. Isso está de acordo com a concepção de Steiner de que Cristo representa na evolução humana a aquisição do Eu, fundamento da liberdade e da autoconsciência, e que, portanto, a iniciação moderna deve ser cada vez mais individual e livre, ainda que no passado ela tenha existido sob outras formas e condições. 

 

Graus da iniciação

 

Além de ser enfático quanto ao caráter livre e individual da iniciação no âmbito do mundo moderno, Steiner considera que ela é um processo gradativo, através do qual o aspirante ascende aos diferentes níveis da realidade anímico-espiritual. Na impossibilidade de detalhar aqui tudo que Steiner apresentou sobre cada grau da iniciação, bem com os exercícios e disposições internas subjacentes a cada uma destas etapas iniciáticas, faremos um mero resumo a partir de algumas de suas obras básicas sobre o assunto (STEINER, 1987: 164-173; STEINER, 1998: 112:142; STEINER, 1996: 7-32; STEINER, 1991; STEINER, 2004; STEINER, 2008).

Steiner chama amiúde o caminho antroposófico de caminho rosacurciano, e considera que ele consiste em sete etapas ou graus básicos:

a) Estudo da Antroposofia: corresponde ao primeiro despertar, ainda restrito ao mundo físico;

b) Cognição por imaginação: corresponde ao mundo astral;

c) Cognição por inspiração: corresponde à leitura da escrita oculta e ao nível inferior do mundo espiritual;

d) Cognição por intuição: elaboração da pedra filosofal, corresponde ao nível superior do mundo espiritual;

e) Conhecimento da relação entre o macrocosmo e o microcosmo;

f) Fusão com o macrocosmo;

g) Bem-aventurança em Deus.

Esse processo, naturalmente, pode ocorrer de forma diferente em cada pessoa, não necessariamente nessa sequência. Ademais, ele corresponde ao desenvolvimento interno das “flores de lótus” (chacras), acarretando em uma mudança interna nos corpos sutis do aspirante (de modo simplificado, corpo etérico, corpo astral e Eu). Ademais, corresponde a um duplo encontro: em primeiro lugar, com o pequeno guardião do limiar (a própria entidade espiritual agora perceptível) e, em segundo lugar, com o grande guardião do limiar, o modelo do Eu, o próprio Cristo (STEINER, 1991: 41-83).

 

Vias da iniciação e tipos de abertura espiritual

 

            Nessas obras antroposóficas básicas, Steiner reconhece a existência, ao longo da história, de várias vias ou sendas para a iniciação, inclusive em sua época, ainda que considere a Antroposofia a mais indicada para o homem moderno. Ele fala nestes caminhos para a iniciação, resumidamente (STEINER, 1987, 158-164):

a) místico cristão antigo e medieval: com base na devoção e na ascese internas, o místico desenvolve os estigmas de Cristo em cada etapa do caminho espiritual, sendo uma iniciação na qual o Eu é absorvido no divino;

b) caminho antroposófico/rosacruciano: o mais indicado ao homem moderno, tem um caráter prático e objetivo, sem depender necessariamente de um mestre e sem a perda da autoconsciência livre, pois é centrado no Eu;

c) yoga ou caminho oriental: através de intensa devoção, percebe-se a realidade como ilusão ou maya, mergulhando-se o Eu no todo divino.

Steiner (STEINER, 2008: 55-63) afirma, ainda, que existem tipos ou casos extraordinários de pessoas que não foram iniciadas no sentido ordinário do termo, pois não procuraram deliberadamente a iniciação, mas que, não obstante, atingiram uma abertura espiritual de forma espontânea e inconsciente, por razões kármicas, acessando ao mundo espiritual. Ele cita Jacob Boehme e Swedenborg como exemplos. E haveria, ainda, o caso específico da mediunidade, típico do espiritismo, que Steiner aborda de modo crítico como uma forma passiva de conhecimento anímico-espiritual, estando sujeita por isso à equívocos e confusões (STEINER, 1987: 44-51).

 

Conclusão

 

A Antroposofia, conforme esboçamos acima, concebe a iniciação moderna como livre e individual, sem precisar obrigatoriamente da presença de um mestre ou de ritos iniciáticos, o que consiste em uma reelaboração consciente da tradição esotérica sob uma perspectiva evolucionista. À guisa de conclusão, seria possível perguntar se essa concepção antroposófica não encontra eco em outras correntes esotéricas contemporâneas que não estejam presas em demasia ao tradicionalismo, e quem sabe não exista neste ponto um diálogo possível com outros movimentos esotéricos.

 

 

Bibliografia

HEMLEBEN, J. (2012) Rudolf Steiner: na ilustred biography. Est Sussex: Sophia Books.

LINDENBERG, C. (2012 b) Bíografia de Rudolf Steiner. Villa Adelina: Antroposófica.

STEINER, R. (1998) A Ciência Oculta: esboço de uma cosmovisão supra-sensorial. São Paulo: Antroposófica.

___________ (2000) A filosofia da liberdade. São Paulo: Antroposófica.

___________ (1991) O conhecimento dos mundos superiores (A iniciação). São Paulo: Antroposófica.

___________ (2004) Teosofia: introdução ao conhecimento supra-sensível do mundo e do destino humano. São Paulo: Antroposófica.

___________ (2008) O conhecimento iniciático: as vivências supra-sensíveis nas várias etapas da iniciação. São Paulo: Antroposófica.

____________ (1996) Os graus do conhecimento superior. São Paulo, Antroposófica.

____________ (1987) La Theosophia Rosicruciana. Buenos Aires: Epidauro.

____________ (2006) Centros de mistérios na Idade Média; rosacrucianismo e princípio da iniciação moderna. São Paulo: João de Barro.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

O que é o Vedanta? (por Daniel Placido -versão corrigida)

Manifesto para uma educação integral

Sobre Aristóteles, Deus e a teologia (por Daniel Placido)