Coletânea Natureza e Tradições de Sabedoria (seleção Daniel Placido)
COLETÂNEA NATUREZA E TRADIÇÕES DE SABEDORIA
Daniel Rodrigues Placido (Seleção e Organização)
Entre os múltiplas acepções do termo “natureza”, ela é entendida aqui como totalidade dos seres vivos e do ambiente. Nesse sentido, as tradições entendem que a natureza não é apenas algo material ou físico, pois tem uma dimensão espiritual, sendo o aspecto imanente do divino, ao qual o homem está intimamente vinculado. Por isso, em algumas tradições a natureza é considerada uma espécie de templo sagrado ao ar livre, é o lugar para o silêncio e a integridade espiritual, uma missa cósmica. Ou, para outras tradições, decifrar o “livro da natureza” é decifrar o livro de Deus, além de decifrar o próprio homem, já que ele é um resumo do universo, um microcosmo.
Não há dúvida de que as tradições no geral fornecem a base para uma
concepção ecológico-espiritual e que o afastamento do homem moderno das
tradições de sabedoria está vinculado à atual destruição ambiental. O desafio
de nossa época é, por conseguinte, tanto conciliar ambientalismo com
tecnologia, ciência e economia quanto conciliar as tradições com a modernidade. (Daniel Placido)
Taoísmo
“A consciência original do ser humano é a consciência original das
plantas e pedras, pois sem essa consciência humana elas não existiriam. Não
somente as plantas e pedras obedecem a esse princípio. Sem a consciência humana
não haveria nem o Céu e a Terra! O Céu, a Terra e as dez mil coisas são
originalmente um só com o ser humano, seu surgimento mais sutil, mais essencial,
é justamente essa centelha espiritual do coração. O vento, a chuva, o orvalho,
o trovão, o sol, a lua, as estrelas, os animais, as plantas, as montanhas, os
rios, a terra e as pedras são, em princípio um só com ser humano.”
(Chuan feilu, apud “Os oito caminhos do Tao”, Inty Scoss Mendoza,
CemorocFeusp / IJI, Univ. do Porto 2007, p. 58)
“...Aqueles que são conscientes esforçam-se. Eles não estão apegados
a lar algum, como cisnes que abandonam o lago, eles deixam para trás casa após
casa. Aqueles que não acumulam e que são sábios quanto a comida, cujo objecto é
o Nada, a Liberdade Incondicional – o seu rasto não se consegue descobrir, tal
como o dos pássaros no ar. Aquele cujas impurezas são destruídas e não está
apegado à comida, cujo objecto é o Nada, a Liberdade Incondicional – o seu
caminho não se consegue descobrir, como o dos pássaros no ar. Até mesmo os
deuses reverenciam o sábio, cujos sentidos estão dominados como cavalos bem
treinados pelo cocheiro, cujo orgulho é destruído e que está livre de
impurezas. Não existe mais existência mundana para o sábio que, como a terra,
de nada se ressente, que é firme como um pilar alto e tão puro como um poço
profundo livre de lama. Inspirador, na verdade, é aquele lugar onde habitam Arahants
[Aperfeiçoados], seja uma aldeia, uma floresta, um vale, ou uma colina. Inspiradoras
são as florestas onde as pessoas mundanas não encontram prazer. Aí, os livres
de paixão alegrar-se-ão, pois eles não buscam prazeres sensuais.”
(“Dhammapada:
o caminho da sabedoria do Buddha”, 91-99, Traduzido do páli para o inglês por
Acharya Buddharakkhita etradução portuguesa de Bhikkhu Dhammiko. Portugal:
Mosteiro Budista Theravada, 2013, pp. 41-42)
“Zeus, senhor da natureza, que tudo governas com leis,
salve! Pois a todos os mortais é lícito falar-te.
Em ti está a nossa origem; a sorte de ser a imagem de um deus,
só a nós coube, entre tantos seres mortais que vivem e rastejam
sobre a terra.
Por isso te entoarei um hino e cantarei sempre o teu poder.
A ti obedece todo este mundo que gira em torno da Terra,
por onde quer que o leves, e de boa mente te é submisso.
Seguras nas invictas mãos, como teu servidor,
o raio incandescente e de dois gumes, sempre vivo.
Sob o seu impulso, caminha toda a obra da natureza:
com ele diriges a tua Palavra universal, que passa através de tudo,
misturando-se com o astro luminoso maior, e também com os menores.
Não se faz sobre a terra obra alguma sem ti, ó deus,
nem sobre o etéreo pólo divino, nem sobre o mar,
excepto os actos dos malvados na sua demência.
Mas tu sabes ajustar mesmo o que é discordante
e ordenar o que é caótico, e ódio em ti é amor.
E assim harmonizaste tudo o que é nobre com o que é vil, numa só
unidade,
de modo a originar uma Palavra eterna de tudo,
a que fogem aqueles dos mortais que são inferiores,
insensatos, sempre a almejar a posse do bem,
sem verem nem atenderem à lei universal do deus,
em cuja obediência seriam connosco felizes.
São eles mesmos, insensatos, que se precipitam cada um para seu
mal,
uns com uma pressa funesta de alcançar fama,
outros voltados para a ganância desordenada,
outros ainda para a licença e os doces prazeres físicos;
procedem sem pensar, arrastados de um lado para o outro,
apressando-se com vigor para que suceda o contrário dos teus
desejos.
Mas ó Zeus remunerador de tudo, senhor das nuvens negras e do raio
coruscante,
salva os homens da funesta ignorância,
sacode-a, ó pai, da sua alma, concede-lhes que obtenham
a sabedoria com cujo apoio tudo governas com justiça,
a fim de que, honrados, te correspondamos com honra,
cantando sem cessar as tuas obras, como cumpre
a um mortal, já que, nem para homens nem para deuses,
há maior honra do que celebrar sempre a tua lei universal.
(Cleantes de Assos, “Hino a Zeus”, Fonte: https://viciodapoesia.com/2014/08/11/cleantes-de-assos-hino-a-zeus/#:~:text=Pois%20a%20todos%20os%20mortais,cantarei%20sempre%20o%20teu%20poder )
Tradição celta (Druidismo)
"...E vós, Druídas, afastados das armas, renovai os barbáricos ritos e o hábito sinistro dos vossos sacrifícios. Apenas para vós é dado conhecer os deuses e os poderes do céu. Ou, apenas para vós, é dado ignorá-los. Habitais profundos bosques com santuários remotos. Sendo vós os doutrinadores, as sombras não procuram as tácitas moradas do Érebo e nem os pálidos reinos da profunda Dite: o mesmo espírito governa outros membros em outro mundo. A morte é – se cantais coisas sábias – o ponto médio de uma longa vida.."
(Lucano, “Guerra Civil ou Farsália”, I, 447-465, trad. Hermes
Orígenes Duarte Vieira. João Pessoa: Ideia, 2018, p. 67)
“Sou o vento que sopra sobre o mar;
Sou a onda das profundezas;
Sou o rugido do oceano;
Sou o Gamo de Sete Batalhas;
Sou um falcão no penhasco;
Sou um raio de sol;
Sou a mais verdejante das plantas;
Sou um javali em fúria;
Sou um salmão no rio;
Sou um lago na planície;
Sou uma palavra de Sabedoria;
Sou a ponta de uma lança;
Sou a fascinação para além dos confins da terra;
Como os deuses, posso mudar de forma.”
(Canção de Amergin, Fonte: http://thedanannsvoice.blogspot.com/2010/11/mitologia-celta-da-irlanda-parte-1.html )
Xamanismo indígena
“Cada aurora que chega é um acontecimento sagrado, e todos os dias
são sagrados, pois a luz vem de vosso Pai Wakan Tanka; e deveis também
concordar sempre que os homens e todos os demais seres que estão nesta Terra
são sagrados e devem ser tratados como tal.”
“(...) Ó parentes meus, ó Avó e Mãe Terra, somos de terra e
pertencemos a Ti! Ó Terra Mãe de quem recebemos nosso alimento!, Tu cuidas do
nosso crescimento como fazem nossas próprias mães. Cada passo que damos sobre
Ti deve ser conforme o mistério; cada passo deve ser como uma oração. Se
lembrem disto, irmãos e irmãs: o poder desta alma pura os acompanhará em vosso
caminho, pois ela também é fruto da Terra Mãe; é uma semente que, plantada em
vosso centro, crescerá com o tempo em vossos corações e fará que as gerações
caminhem conforme ao mistério.
Chifre Oco Alto levantou as mãos e enviou sua voz ao Grande
Espírito: Ó Pai e Avô Wakan Tanka!, Tu és o início e o fim de todas as coisas.
Pai meu Wakan Tanka, Tu és o Uno que vigia e mantém a tudo o que vive. Ó Avó
minha!, Tu és a fonte terrestre de toda existência .Mãe Terra, os frutos que
levas são a fonte de vida dos povos da Terra.
Tu velas sem cessar por teus frutos, como uma mãe.”
(Alce Negro, In: “O Cachimbo sagrado: os sete ritos secretos dos
índios sioux”, tradução de Anderson M. A. Bertolli, s/d, p. 29 e p. 35. Fonte: https://www.academia.edu/36459486/O_CACHIMBO_SAGRADO_OS_SETE_RITOS_SECRETOS_DOS_%C3%8DNDIOS_SIOUX_relatados_por_ALCE_NEGRO_Traduzido_para_o_portugu%C3%AAs_por )
O universo inteiro é...supremamente belo. Não há nele nenhuma feiúra. Ao contrário, Deus nele reuniu toda perfeição e beleza.(...) Os gnósticos só vêem nele a forma da Realidade divina... pois Deus é Aquele que se manifesta em toda face, Aquele a quem todo signo remete, Aquele que todo olho olha, Aquele que se adora em todo adorado...O universo inteiro lhe dirige sua prece, prosterna-se diante Dele e celebra Seu louvor."
(Ibn ‘Arabî, apud “Mulheres de Luz”, Beatriz Machado. In: “O Islã
clássico: itinerários de uma cultura”, Rosalie Helena Pereira de Souza (org.).
São Paulo: Perspectiva, 2007 p. 621)
“Altíssimo, omnipotente, bom Senhor, a ti o louvor, a glória, a honra e toda a bênção.
A ti
só, Altíssimo, se hão-de prestar e nenhum homem é digno de te nomear.
Louvado
sejas, meu Senhor, com todas as tuas criaturas, especialmente o meu senhor
irmão Sol, o qual faz o dia e por ele nos alumia.
E
ele é belo e radiante, com grande esplendor: de ti, Altíssimo, nos dá ele a
imagem.
Louvado
sejas, meu Senhor, pela irmã lua e as estrelas: no céu as acendeste, claras, e
preciosas, e belas.
Louvado
sejas, meu Senhor, pelo irmão vento e pelo ar, e nuvens, e sereno, e todo o
tempo, por quem dás às tuas criaturas o sustento.
Louvado
sejas, meu Senhor, pela irmã água, que é tão útil, e humilde, e preciosa e casta.
Louvado
sejas, meu Senhor, pelo irmão fogo, pelo qual alumias a noite, e ele é belo e
jucundo e robusto e forte.
Louvado
sejas, meu Senhor, pela nossa irmã, a mãe terra, que nos sustenta e governa, e
produz variados frutos, com flores coloridas, e verduras.
Louvado
sejas, meu Senhor, por aqueles que perdoam por teu amor e suportam enfermidades
e tribulações.
Bem-aventurados
aqueles que as suportam em paz, pois por ti, Altíssimo, serão coroados.
Louvado
sejas, meu Senhor, por nossa irmã a morte corporal, à qual nenhum homem vivente
pode escapar.
Ai
daqueles que morrem em pecado mortal! Bem-aventurados aqueles que cumpriram tua
santíssima vontade, porque a segunda morte não lhes fará mal.
Louvai e bendizei a meu Senhor, e dai-lhe graças e servi-o com grande
humildade.”
(São Francisco de Assis, In:
“Cântico das Criaturas ou Cântico Irmão Sol”, Fonte: https://www.capuchinhos.org/franciscanismo/sao-francisco-de-assis/fontes-franciscanas/cantico-das-criaturas )
"O homem (sideral) interior é formado do mesmo Limbus [mesma materia] do macrocosmo e, portanto, ele é capaz de participar em toda a sabedoria e conhecimento existente neste último. Ele pode obter conhecimento de todas as criaturas,(...) porque a sua própria alma é a quintessência de tudo na criação, e ele está conectado simpaticamente com toda a natureza; e, portanto, cada mudança que tem lugar no macrocosmo pode ser detectada pela essência etérea que rodeia seu espírito e pode vir para a consciência e compreensão do homem."
"As coisas ocultas (da alma) que não podem ser percebidas
pelos sentidos físicos podem ser encontradas através do corpo sideral, por meio
de tal organismo podemos ver a Natureza do mesmo modo como o sol brilha através
de um vidro. A natureza interior de tudo, portanto, pode ser conhecida por meio
da Magia, através dos poderes da visão interior. Estes são os poderes pelos quais
todos os segredos da Natureza podem ser descobertos, e é necessário que um
médico seja instruído e torne-se bem versado nesta arte, e ele deve ser capaz
de descobrir muito mais sobre a doença do paciente pela sua própria percepção
interior, do que pelo questionamento do paciente."
(Paracelso, apud “Interação entre Religião e Ciência em Paracelso”,
Martinho Antônio Bittencourt de Castro. In: Revista Opinião Filosófica, Porto
Alegre, v. 05; nº. 01, 2014)
“Todas as coisas, ervas, plantas, árvores, animais, pássaros,
peixes ... provém... do Verbo...Pois este mundo visível, com todas as coisas e
seres que ele contém, nada mais é do que uma representação objetiva do Mundo
espiritual, que está oculto neste mundo material elemental..."
(Jacob Boehme, In: “A revelação do grande mistério divino”. São
Paulo: Polar editora, 1998, p. 71)
“O
rugir dos leões, o uivar dos lobos, a Riria do mar tempestuoso e a espada
destrutiva são porções de eternidade grandes demais para o olho do homem.”
(William
Blake, In: “Matrimônio do Céu e do Inferno”. São Paulo: Madras, 2004)
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