Referências sobre Filosofia Ocidental e Filosofia Oriental

 Selecionei alguma referências e citações sobre a relação entre a filosofia ocidental e a filosofia oriental, desde fontes antigas a mais contemporâneas. Apesar de desiguais em suas comparações, não deixam de ser sugestivas.(Daniel Placido)

A- Fontes Antigas

"Dizem alguns que a Filosofia, exceto o nome, teve sua origem entre os bárbaros; pois como diz Aristóteles … foram os magos seus inventores entre os persas; os caldeus entre os assírios e babilônios; os gimnosofistas entre os indianos; e entre os celtas e gauleses, os druidas, com chamados semnoteos. Que Oco [Mocos] foi fenício; Zamolxis, trácio; e Atlante [Atlas], líbio. Os egipcios dizem que Vuleano [Héfaistos], filho do Nilo, foi quem deu princípio à Filosofia, e que seus professores eram sacerdotes e profetas. Que desde Vuleano até Alexandre da Macedônia passaram quarenta e oito mil oitocentos e sessenta três anos; em cujo espaço houve trezentos e setenta e três eclipses do sol, e oitocentos e trinta e dois da lua. Desde os magos (o primeiro dos quais foi Zoroastro, persa) até a destruição de Troia passaram cinco mil anos, segundo Hermodoro Platônico em seus escritos de Matemáticas. Janto de Lidia põe seiscentos anos desde Zoroastro ate a passagem de Xerxes, e diz que a Zoroastro sucederam continuadamente outros muitos magos, a saber:  Ostanas, Astrapsicos, Gobrias e Pazatas, até a destruição da Pérsia por Alexandre. "

(Diógenes Laércio, "Vida dos Filósofos mais ilustres", Livro I, Proêmio)

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"...parece que  [os bárbaros] também compreendem o grande benefício que lhes chega através dos sábios, cuja filosofia é oficialmente estudada por todos os Brâmanes,  Odrisos e os Getos, e o povo egípcio faz teologia precisamente a partir de suas opiniões... e também os Caldeus e os Árabes, denominados prósperos, igualmente à região Palestina, e a maioria do povo Persa, e outros milhares de povos.

É evidente que Platão admira continuamente aos bárbaros; recorda como ele mesmo e Pitágoras hão aprendido dos bárbaros as mais numerosas e nobres de suas opiniões."

(Clemente de Alexandria, Stromata, 1: XV)

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"A divindade que preside a eloquência, Hermes, há tempo é considerada acertadamente comum a todos os sacerdotes e este único protetor da verdadeira ciência dos deuses é o mesmo em todo o mundo, a quem precisamente inclusive nossos antepassados dedicavam os descobrimentos de sua sabedoria, pondo sob a autoridade de Hermes suas próprias obras. E se também nós obtemos desse deus a parte que nos corresponde na medida de nossas possibilidades, você faz bem em expor aos sacerdotes, como gostam, questões teológicas pertencentes ao âmbito de seus conhecimentos.

Em absoluto seria decoroso que Pitágoras, Platão, Demócrito, Eudoxo e muitos outros entre os antigos gregos haviam obtido o ensinamento adequado graças às inscrições sagradas de sua época, e você, contemporâneo nosso e com a mesma intenção que aqueles homens famosos, não atinja a guia outorgada pelos professores atualmente vivos e chamados de mestres públicos (...) Nós, pois, de acordo com as ancestrais doutrinas dos assírios, transmitiremos a você em verdade nossa opinião e desvelaremos nossas doutrinas com claridade, umas deduzidas mediante o entendimento a partir dos inumeráveis escritos antigos, outras a partir dos escritos em que mais tarde, em um número limitado de livros, reuniram os antigos todo o saber teológico. E se você propõe alguma questão filosófica, esta interpretaremos a você de acordo com as antigas estelas de Hermes, que Platão, já antes, e Pitágoras, depois de lê-las em sua totalidade, utilizaram para criar sua filosofia, assim como as questões estranhas e contraditórias que evidenciam um caráter conflituoso, mediante explicações afáveis e harmoniosas."

(Jamblico, Sobre os Mistérios Egípcios, Livro I)

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B- Comentadores mais contemporâneos

 "(....) a Índia teve, e ainda tem, suas próprias disciplinas psicológicas, éticas, físicas e teoria metafísica. Mas a preocupação fundamental - em contraste notável com os interesses dos modernos filósofos ocidentais - foi sempre a transformação, e não a informação; uma mudança radical da natureza humana e, com isto, uma renovação na sua compreensão não só do mundo exterior mas também de sua própria existência; uma transformação tão completa quanto possível que, ao ser coroada pelo êxito, leva a uma total conversão ou renascimento.Neste sentido, a filosofia indiana tem laços mais estreitos com a religião do que o pensamento crítico e secularizado do Ocidente moderno. Está mais próxima dos filósofos antigos como Pitágoras, Empédocles, Platão, os estóicos, Epicuro e seus seguidores, Plotino e os pensadores neoplatônicos. Encontramos, novamente, este ponto de vista em S. Agostinho, nos místicos medievais como Mestre Eckhart e nos místicos posteriores como Jacob Boehme de Silésia; nos filósofos românticos reaparece em Schopenhauer."  

(Heinrich Zimmer, As filosofias da Índia)

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"...a filosofia perene no fundo é o platonismo. O platonismo, nesse contexto, é a filosofia não como produto do raciocínio discursivo combativo, mas como modo de vida. É existencial, no sentido em que se centra em estimular a vida virtuosa, mas também porque propõe uma metafísica centrada na realização potencial do indivíduo da transcendência eu-outro. Portanto, o que é “perene” na filosofia perene é seu chamado ao indivíduo para viver uma vida melhor e, pelo menos potencialmente, para “retornar ao Uno”, isto é, realizar contemplativamente a unidade interior.

Ora, o platonismo às vezes é importado para o monoteísmo, de modo que se encontra o platonismo cristão (cuja figura modelo é, naturalmente, Dionísio, o Areopagita), o platonismo islâmico (que de fato se torna sufismo) e o platonismo judaico (até certo ponto, talvez, em Cabala). Mas, apesar de tudo isso, o platonismo é anterior e distinto dos vários monoteísmos, e fornece uma tradição ocidental que está mais próxima das filosofias religiosas budistas e vedânticas.

Portanto, a filosofia perene é inerentemente esotérica, na medida em que aqueles que a praticam estão engajados em uma ascensão contemplativa que não pode ser totalmente compreendida apenas por meio de descrições discursivas dela. Descrições discursivas lidas por um estranho e não participante são exotéricas e, como tal, dão apenas acesso indireto às experiências contemplativas reais que acompanham a realização interna da metafísica platônica pelo indivíduo. O platonismo a esse respeito é uma tradução filosófica para indivíduos do que anteriormente pertencia aos Mistérios Gregos como revelações grupais de transcendência (sobre os quais os participantes eram famosos e, na maioria, efetivamente juraram segredo), e em ambos os casos o centro da tradição é experiencial e transmutacional."

(Arthur Versluis, The Perennial Philosophy)

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"Os interprétes de Platão, tanto os antigos quanto os modernos, tiveram controvérsias infindáveis sobre esta questão: se essa concepção do Bem absoluto era, para ele, idêntica à concepção de Deus. Colocada de maneira tão simples, a questão fica sem sentido, uma vez que a palavra 'Deus' é extremamente ambígua. Mas, se ela é considerada válida para o que os escolásticos chamaram o ens perfectissimum, o cume da hierarquia do ser, o último e o único objeto de contemplação e adoração completamente satisfatório, é possível que haja poucas dúvidas de que a Idéia do Bem era o Deus de Platão; e não pode haver dúvida nenhuma de que ela se tornou o Deus de Aristóteles e um dos elementos ou 'aspectos' do Deus da maioria das teologias filosóficas da Idade Média e de quase todos os poetas e filósofos platonizantes. E, embora em Platão, como em seus seguidores, provavelmente tenha persistido uma vaga noção de um modo sublimado de vida consciente e de perfeita felicidade até mesmo na concepção desse Absoluto outro-mundano, além disso os atributos de um tal Deus eram, com exatidão, exprimíveis somente em negação dos atributos deste mundo. Poder-se-ia tomar, uma após a outra, qualquer qualidade ou relação ou espécie de objeto apresentado na experiência natural e dizer, como o sábio na Upanishad: 'A verdadeira realidade não é como isto, não é como aquilo'-acrescentando apenas que ela é algo muito melhor".

( Arthur Lovejoy, "A grande cadeia do Ser, Palíndromo. São Paulo, 2005, p. 48)

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"...[Na Índia] todos os sistemas, come exceção daqueles dos materialistas (Cârvâka), céticos e alguns agnósticos, queriam expor um caminho para a salvação, assim também no Ocidente e as doutrinas de Pitágoras e Empédocles, de Platão e Plotino e de todos os filósofos cristãos estão determinadas por impulsos místicos."

(Helmuth von Glasenapp, La Filosofía de la Índia)

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"Um terceiro plano no qual o platonismo continua vivo e se tornou especialmente importante está postado na era da globalização. Não é só na Europa que há filosofia, mas também na Ásia, e especialmente na Índia, com a filosofia dos upanixades, e na China, com o taoísmo de Lao-tsé. Nenhuma outra filosofia da Europa se aproximou tanto da ideia de unidade dos upanixades e do Tao te king como a teoria do platonismo. Quanto mais profundamente penetrarmos em nossa própria filosofia, tanto mais entendimento teremos da grande filosofia da Índia e da China, conquistando  a amizade ou o respeito desses povos."

(Karl Albert, Platonismo, Loyola)

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"Os gregos antigos diziam francamente que Pitágoras foi à Índia. Porém, como as afirmações foram feitas por escritores neopitagóricos e neoplatônicos posteriores a Apolônio, objeta-se que as viagens deste ultimo sugeriam não só este item na biografia do grande fiósofo de Samos, mas diversos outros, ou mesmo que o próprio Apolônio, em sua biografia de Pitágoras, tenha sido o pai do rumor. 

A íntima semelhança, no entanto, entre muitos aspectos da disciplina e doutrina pitagóricas e do pensamento e pratica indo-arianas fazem-nos hesitar em rejeitar inteiramente a possibilidade de que Pitágoras tenha visitado a antiga Ariavarta." 

(G.R.S . Mead, Apolônio de Tiana, sábio, profeta e renovador dos mistérios, Teosófica)

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" ...a mística de Plotino, apesar de toda a diferença que separa o mundo grego do mundo hindu, pertence ao mesmo tipo. É também uma mística do Uno que alcançamos desvinculando-nos, renunciando ao mundo múltiplo. Também não há mistério da pessoa, nem, portanto, nenhum mistério de amor. No platonismo e no neoplatonismo, o eros orienta-se para o bem supremo, para a beleza, não para o ser concreto, para a pessoa. Assim como no misticismo hindu, o Um é o super-ser e o caminho para isso é a apófase. O que deifica a alma é o espírito, o nous. O ato de contemplação mística é idêntico ao próprio objeto dessa contemplação, a inteligência é idêntica ao inteligível. Isso é monismo místico – não há dois, apenas um. O caminho espiritual é uma passagem do complexo e do múltiplo ao simples e ao uno. O ser é idêntico à inteligência, a nós. No misticismo do tipo hindu, do tipo platônico, tudo se opõe a esses diálogos dramáticos entre o homem e Deus que nos são revelados pela Bíblia, ou seja, às relações de pessoa a pessoa. O espiritual é entendido por sua oposição ao pessoal; exclui, portanto, o amor, a liberdade do homem em relação a Deus, do múltiplo em relação ao uno. O caminho místico é o caminho da gnose e não o de eros. Eros não é a superabundância de um bem que se difunde, nasce, ao contrário, da insuficiência, da necessidade de se completar. Há traços desse misticismo no mundo cristão, no neoplatonismo cristão, em Eckhart, no quietismo... "

(Esprit et réalité, Nicolas Berdiaeff. Aubier, 1953)

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