Porfírio e o pensamento oriental (por Daniel Placido)

 Porfírio (c. 234-c. 304/309 EC) não só relatou o interesse de Plotino pela filosofia indiana e persa, como demostrou conhecer diretamente o assunto. Por exemplo, nesta passagem da obra Sobre a abstinência, IV, 17:

A estrutura social dos indianos se compõe de várias classes, e há entre eles uma casta, a dos teósofos aos quais os gregos optaram por chamar de gimnosofistas. Por sua vez, estes se dividem em duas seitas.  Uma é constituída pelos brâmanes e, a outra, dos samaneos [budistas?]. Os brâmanes recebem de geração em geração sua específica teosofia, como uma espécie de sacerdócio; os samaneos são eleitos e o número deles que se consagra à teosofia se seleciona entre voluntários. Deste modo são os fatos que lhes concernem, tal como exposto pelo babilônio Bardesanes, que existiu na época de nossos pais, e se encontrou entre os indianos que foram enviados com Dandamis ao imperador. Todos os brâmanes pertencem a uma única casta, porque todos provem de um só pai e uma só mãe; os samaneos não formam uma casta única, senão que são constituídos de todo povo indiano, como temos dito (PORFÍRIO, 1984: 214-215, tradução nossa do excerto).


Na passagem acima mencionada, Porfírio curiosamente usou o termo “teosofia” (sabedoria divina) para se referir ao pensamento filosófico-religioso dos indianos. Ele diz que os gimnosofistas seriam divididos em dois grupos, os brâmanes e o samaneos (provavelmente os budistas), sendo que aqueles recebem a teosofia por tradição e estes por eleição. E cita o gnóstico Bardesanes como fonte, pois teria estado entre os indianos.



Além de referências à teosofia indiana, Porfírio também se interessou pela teurgia dos Oráculos caldeus, dando a esta última um valor secundário mas não desprezível. Segundo o relato de Santo Agostinho n’ A Cidade de Deus (X, 32):

No fim do primeiro livro Acerca do Regresso da alma (De regressu animae), Porfirio declara que a doutrina que propõe o caminho universal da libertação da alma ainda não foi ensinada por nenhuma seita, nem por qualquer filosofia de grande aceitação, nem pelas disciplinas morais dos Indus [hindus], nem pela indução dos [Oráculos] Caldeus, nem por qualquer outro sistema chegou essa doutrina, por via histórica, ao seu conhecimento. Admite sem a mínima hesitação que esse caminho existe, mas que não chegou ainda ao seu conhecimento. Portanto, tudo o que ele tinha aprendido à custa de muito estudo acerca da libertação da alma, tudo o que, a si e aos outros mais do que a si, lhe parecia saber e possuir, tudo isso considerava insuficiente. (AGOSTINHO, 2000:977, vol. 2)

Conforme Santo Agostinho, Porfírio teria buscado em fontes diversas, entre elas as hindus e os Oráculos caldeus, algum caminho universal de libertação anímica, sem sucesso em sua busca, apesar de acreditar que tal caminho realmente existia. Como essa obra porfiriana mencionada foi perdida, não sabemos exatamente qual era o seu teor. Mas, como afirma Reale (2008: 54), Porfírio comentou os Oráculos caldeus à luz do neoplatonismo, abrindo o caminho para Jâmblico. Os Oráculos, junto com os poemas órficos, homéricos e hesiódicos, tornaram-se então uma espécie de escritura sagrada pagã para os neoplatônicos, considerados como revelações divinas e acolhidas como ponto de partida para a filosofia


Observação:

Este texto é um trecho adaptado de uma comunicação acadêmica que fiz em abril e está disponível aqui:  Neoplatonismo e pensamento oriental: uma visão geral | Daniel R . Placido - Academia.edu 


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