Três razões para ler Schopenhauer (por Daniel Placido)


Apesar de nunca ter lido a obra de Schopenhauer de forma sistemática e cuidadosa, é um autor pelo qual realmente tenho estima e ainda desejo aprofundar minhas leituras de seus escritos, por ora esporádicas e caóticas. Por quê? Tenho três razões para isso.

A primeira delas tem a ver com seu interesse sincero pela filosofia oriental, particularmente o budismo e o Vedanta. Independente da precisão menor ou maior de sua interpretação dessas tradições da Índia, considero relevante o fato de um filósofo ocidental de grosso calibre como ele ter reconhecido a grandeza do pensamento oriental. Schopenhauer disse:

“...para mim, o fundamento da moral repousa em última instância sobre aquela verdade que está expressa no Veda e Vedanta pela fórmula mística tat twam asi (isto és tu), que é afirmada com referência a todo ser vivo, seja homem ou animal, denominando-se então o Mahavakya, o grande verbo." (Parerga e Paralipomena)

Decerto isso não era uma novidade exatamente entre os intelectuais europeus, porquanto, para exemplificar, na Antiguidade tardia Porfírio referiu-se à “teosofia” dos indianos (brâmanes e budistas) enquanto Plotino quis aprender, sem sucesso, a filosofia dos hindus. Contudo, Schopenhauer, em uma época em que o eurocentrismo era predominante, reconheceu, a partir do uso de traduções fidedignas, o pensamento indiano como genuinamente filosófico, ao contrário de Hegel, que, a despeito de mencionar vagamente o pensamento do Oriente em suas Lições sobre a História da Filosofia, o reduz de modo caricato a uma espécie de mitologia pré-reflexiva. Schopenhauer, não por acaso, chegou depois a influenciar indólogos como Paul Deussen, o qual, por sua vez, teve influência sobre Swami Vivekananda.



A segunda razão, ligada em especial ao budismo, reside em sua defesa da ética da compaixão, estendida aos animais e a todos os seres vivos. Existe aqui uma ruptura clara em relação ao antropocentrismo ocidental, que vai do cristianismo a Bacon e Descartes, projetando sobre os animais e a natureza uma visão utilitária, como se existissem para servir ao homem e seus caprichos. Segundo Schopenhauer, apesar de nós homens possuirmos intelecto e os animais não, emergimos do mesmo fundo volitivo e vital -- subjacente à natureza -- que eles, pois “o animal é no fundamento e em essência absolutamente o mesmo que nós somos...os animais não são uma mercadoria para nosso uso...”(Parerga e Paralipomena)

Além disso, Schopenhauer, sabidamente, tinha por companheiro o cãozinho Atma, cujo nome foi extraído do hinduísmo e ao qual deixou parte da sua herança.

A terceira e última razão é porque ele não era um autor estritamente racionalista, e soube assim lançar um olhar decidido sobre o âmbito não-racional da vida, com reflexões – prenúncio de Nietzsche e Freud -- pertinentes a respeito da intuição, da paixão e do sonho. Diz-se que ele teve um sonho premonitório sobre a epidemia de cólera em Berlim, abandonando então a cidade rumo a Frankfurt, enquanto Hegel, seu grande rival filosófico, ficou pelas plagas berlinenses e acabou como vítima fatal da doença. Schopenhauer disse:

"Magnetismo animal, curas simpáticas, magia, segunda visão, sonho perceptivo, visão espectral e visões de todas as classes são fenômenos afins, ramos de um mesmo tronco, e oferecem indícios seguros e irrefutáveis de uma conexão entre os seres fundada em uma ordem das coisas totalmente diferente à da natureza, a qual tem por base as leis do espaço, tempo e causalidade; enquanto que aquela outra ordem é mais profunda, originária e imediata, por isso que, diante desta ordem, as leis da natureza primeiras e mais universais, por serem puramente formais, não têm validade, e como consequência o tempo e o espaço já não separam os indivíduos, nem a segregação e o isolamento dos mesmos devido àquelas formas estabelece ainda limites insuperáveis para a comunicação dos pensamentos e para o fluxo imediato da vontade; de modo que se originam trocas por uma via totalmente distinta da causalidade física e a cadeia conexa de seus membros, a saber: simplesmente em virtude de um ato da vontade manifestado de uma forma especial e, assim, potencializado além do indivíduo." (apud Schopenhauer e a Magia, Luan Correa da Silva)



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