Plethon e a migração do platonismo (por Daniel Placido)

 

Enquanto lia um texto de Alexander Dugin, achei tão curiosa quanto vaga esta afirmação dele, “Platonismo, neoplatonismo e Hermetismo, que foram redescobertos na Europa Ocidental, graças às traduções de um amplo espectro dessas correntes, cujos textos foram trazidos por Pléton desde Bizâncio no período final antes de sua queda."[1]

Ora, essas informações parecem imprecisas, com o desconto de que o autor citado obviamente não é um especialista no tema, visto que:

1- Apesar da possibilidade de Gemistos Plethon ter trazido, segundo C. Celenza, algum texto grego para a Itália entre 1438-1439, o fato é que esse processo de obtenção e tradução de manuscritos começou antes e é independente de Plethon. Deve-se citar nesse sentido a iniciativa do literato e chanceler florentino Coluccio Salutati, que, em 1396/1397, ajudou na nomeação de Manuel Crysoloras para a Universidade de Florença, onde se formou um núcleo de estudos da língua e literatura gregas. Além de Crysoloras, é preciso mencionar contribuições de seus alunos Leonardo Bruni, Ambrogio Traversari e Guarino de Verona (este trouxe sem dúvida manuscritos gregos de Bizâncio para a Itália), e de seu amigo Uberto Decembrio. Também cabe lembrar do nome de Jorge Argyropoulos, o qual chegou a ser, quando jovem, aluno de Plethon, e influenciou o aprendizado de Ficino da língua grega,  e do nome de Basílio Bessarion, também um ex-aluno de Plethon, que presidiu o Concílio de Ferrara-Florença (1438-1439) e migrou durante este evento da Igreja oriental para a romana, assim como reuniu em sua biblioteca uma importante coleção em grego de textos platônicos e neoplatônicos.

2- Sobre os textos herméticos, provavelmente Plethon não os conheceu diretamente e tampouco demonstra apreço por Hermes e pelos egípcios. Foi, na realidade, Leonardo de Pistoia quem trouxe um dos manuscritos gregos do Corpus Hermeticum para Itália, adquirido por Cosme de Médici e passado a Ficino. A bem da verdade, Plethon dava muito mais valor ao zoroastrismo do que ao hermetismo, considerando Zoroastro o primeiro dos sábios e legisladores antigos, além de autor dos Oráculos caldeus – tese que Ficino acabou por comprar.

Gemistos Plethon


Qual seria então a real contribuição de Plethon? Com suas preleções sobre Platão e Aristóteles, que depois foram registradas na obra De Differentiis de 1439, chamou a atenção dos eruditos latinos durante o Concílio de Ferrara-Florença. Escreveu Plethon nessa obra:

Os gregos e os romanos da Antiguidade colocaram Platão muito acima de Aristóteles. Em compensação, os contemporâneos, mais precisamente os ocidentais, pretendem ser mais inteligentes do que eles e admiram mais a Aristóteles do que a Platão. Seguem, lamentavelmente, o árabe Averroes...(apud DELBOSCO, 2008)

Naquele momento, Plethon cativou especialmente a figura de Cosme de Médici -- como Ficino apontou ulteriormente -- para o valor e grandeza da filosofia platônica, cujos textos ainda não estavam traduzidos integralmente para o latim.

Se com Plethon houve uma migração do platonismo de Bizâncio para Florença, como Ficino indicou, seria mais exato dizer que tal acontecimento teve início antes e continuou depois de Plethon, devendo-se muito ao próprio Ficino, que traduziu, além de toda obra de Platão e inúmeros textos neoplatônicos, o Corpus Hermeticum.

 

Notas

1- Mark Sedgwick e sua hipótese sobre a Sophia Perennis, Alexander Dugin, 2020:

https://novaresistencia.org/2020/11/03/mark-sedgwick-e-sua-hipotese-sobre-sophia-perennis/

 

Bibliografia sugerida

BURKE, Peter. O Renascimento italiano. São Paulo: Nova Alexandria, 2010.

CELENZA, Chritopher S. A revitalização da filosofia platônica, In: Filosofia do Renascimento, James Hankins (org.). São Paulo: Ideias e Letras, 2021.

BLUM, Paul Richard. Et nuper Plethon – Ficino's Praise of Georgios Gemistos Plethon and His Rational Religion, In: Laus Platonici Philosophi Marsilio Ficino and his Influence. CLUCAS, Stephen, FORSHAW, Peter J., REES, Valery. Leiden/ Boston: Brill, 2011.

DELBOSCO, Héctor. El Humanismo platónico del Cardenal Bessarión. Pamplona Navarra: Eunsa, 2008

PLÉTHON, Georges Gemistos. Traité de Lois. Paris: Librarie de Firmin Didot Frères, fils et cia, 1858. Disponivel In: http://remacle.org/bloodwolf/philosophes/plethon/table.htm

KRISTELLER, Paul Oskar. Marsilio Ficino as a beginning student of Plato. In: Scriptorium, Tome 20 n°1, 1966. pp. 41-54, Disponível In: https://www.persee.fr/doc/scrip_0036-9772_1966_num_20_1_3256

__________________. El pensamento renacentista y sus fontes. Ciudad de Méxixo: Fondo de Cultura Económica, 1982.

___________________ . Ocho filósofos del renacimento italiano. Ciudad de México: Fondo de Cultura Económica, 2016.

SAFFREY, Henri D. Florence, 1492: The Reappearance of Plotinus, In: Renaissance Quarterly, Vol. 49, No. 3 (Autumn, 1996), pp. 488-508. Publicado pela University of Chicago Press on behalf of the Renaissance Society of America.

 

 

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