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Mostrando postagens de julho, 2023

Comentários às “Teses” de W. Benjamin (por Daniel Placido)

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  Introdução Segundo G. Theborn (2012, p. 63-64), a tradição marxista, heterogênea e multifacetada, oscilou em sua ênfase entre os dois polos dialéticos (“chifres”) da modernidade, ora a realçar mais seu aspecto emancipador, ora o seu aspecto explorador. Por exemplo, na II Internacional e no seu desdobramento social-democrata no começo do século XX, o aspecto explorador da modernidade foi mitigado por uma visão evolucionista e otimista a respeito da capacidade de reação dos sindicatos e partidos operários ao capitalismo, possivelmente sob influência do otimismo típico da Belle Epoque , logo banhado sob uma ducha fria pela I Guerra Mundial. Em contrapartida, na corrente marxista conhecida como “Escola de Frankfurt” foram salientados os aspectos contraditórios e negativos da modernidade, sem o apontamento para um futuro melhor, em um contexto histórico de ascensão do nazifascismo e do estalinismo. Dentro do espectro da Escola de Frankfurt, vamos nos ater neste texto às posições sin

A mística de Plotino hoje e o Vedanta (por Daniel Placido)

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À luz do contexto moderno, o legado da filosofia de Plotino, especialmente o de sua mística, é discutido por diversos autores, e gostaria de iniciar este texto com um confronto entre as perspectivas distintas de dois deles: Pierre Hadot e Reinholdo A. Ullmann. Certamente influenciado pelo marxismo e pelo existencialismo, Pierre Hadot (2019: 128-135), apesar de reconhecer a universalidade e atualidade do chamado místico de Plotino, não pode concordar neste último com a (suposta) desvalorização do mundo concreto da multiplicidade, ainda que uma desvalorização parcial, sem cair no dualismo gnóstico. O homem moderno, para Hadot, aprendeu com Marx, Freud e outros, a desconfiar de qualquer forma de conhecimento, mesmo que interno, que não leve em conta o papel das estruturas sociais, econômicas, culturais ou psíquicas (inconsciente) na sua produção. Para Hadot a mística plotínica continua válida no quadro da modernidade, mas ela precisa situar o homem dentro da pluralidade do mundo socia

ABC do conceito de Gnose em Henry Corbin (por Daniel Placido)

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  O conceito de gnose tem grande relevância na obra do filósofo e orientalista francês Henry Corbin (1903-1978), que, além de especialista na gnose islâmica (especialmente a xiita), dialogou, no Círculo de Eranos e alhures , com autores que conheciam o assunto a fundo, como C. Jung, M. Eliade, G. Durand, G. Scholem, G. Quispel, entre outros. Podemos introduzir o leitor ao conceito de gnose em Henry Corbin a partir de cinco pontos básicos:   1- A gnose é um conhecimento interior, um saber sobre si mesmo imediato que transforma o sujeito, implicando em um renascimento. Ao mesmo tempo, esse conhecimento é capaz de salvá-lo. Esse processo interno pode ser descrito, em linguagem maniqueísta, pelo encontro com o duplo angélico, com o gêmeo celeste ou com a Virgem de Luz. Essa gnose não é um mero saber teórico ou filosófico, é diferente da fé mas não exclui, antes a incorpora. 2- Existem várias formas de gnose (cristã, judaica, islâmica, budista etc.) manifestas na história religiosa,

Gnósticos, Maniqueus e Docetismo (por Daniel Placido)

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Conforme Joan O’Grady, o docetismo não deve ser considerado uma seita ou grupo herético em sentido estrito, mas uma tendência que perpassou várias heresias nos primórdios do cristianismo, e cujo cerne era considerar a existência terrena de Jesus uma aparência, algo fantasmático, o que implicava em sua desumanização ou mitificação, além de considerar sua paixão e crucificação uma espécie de encenação teatral, já que seu corpo era etéreo e impassível (O’GRADY, 1994: 21 e 43).  Essa teoria foi aceita por alguns gnósticos, conforme Ireneu de Lião ( Contra as Heresias , III, 16, 1), em especial por valentinianos e marcionistas (O’ GRADY, 1994: 43, 80). Dessa forma, eles não acreditavam que o enviado divino nesta terra poderia viver e morrer como um homem comum, até porque tendiam a considerar a matéria como decaída e oposta ao domínio espiritual. Segundo G. R. S. Mead, a concepção docética era escandalosa e inaceitável para os cristãos fiéis à ortodoxia da Igreja em formação, pois mitigava

"Oráculos caldeus", teurgia e neoplatonismo (por Daniel Placido)

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  O s Oráculos caldeus são um conjunto de versos relacionados com a teurgia e foram disseminados a partir dos séculos II-III EC. Tal material chegou até nós em uma condição fragmentária, citado por autores como Proclo, Damáscio, Psellos e Plethon. Os Oráculos não foram tomados como simples textos autorais, e sim como mensagens divinas reveladas através de transes místicos, cujos veiculadores seriam Juliano pai, o caldeu, que teria vindo da Caldeia ou da Síria para Roma, e seu filho homônimo Juliano, o teurgo, figuras possivelmente contemporâneas do imperador e filósofo estóico Marco Aurélio (século II EC). Nos Oráculos ocorre a busca da salvação da alma através da recepção de uma inspiração divina e da prática de ritos tradicionais, com uma linguagem mágico-simbólica para invocar os deuses, que, por sua vez, transmitiriam mensagens mediante transes místicos (KÖRBES HAUSCHLID, 2018: 52-53). As ideias presentes nos Oráculos têm afinidade com o platonismo tardio, e circularam em u