O "combate pela Alma do Mundo" (por Daniel Placido)

Como disse F. Lenoir, a modernidade filosófica e científica transformou a natureza em um todo reduzido à relações mecânicas, de partes justapostas e apreendidas de forma racional matematizada, rejeitando a ideia da natureza como um ser dotado de Alma, com relações simpáticas e antipáticas dentro de si, fundamento da magia e da imaginação como mediadora entre os níveis de realidade.

Como reação a este processo, teremos a teosofia de Boehme, Swedenborg e outros, além da Filosofia da Natureza romântica de inspiração teosófica (Novalis, Schelling, Schubert), que insistirá em compreender a natureza como um ser orgânico e anímico, um todo em que as partes se relacionam por analogias e correspondências, e considera o próprio homem como um microcosmo à luz do macrocosmo. 

Ademais, a modernidade foi marcada pela ascensão do racionalismo filosófico que, entre outras consequências, restringiu o status ontológico da imaginação, confundida com a fantasia (a "louca da casa"), como uma mera reprodução passiva e desordenada de imagens, e não como criadora de formas simbólicas. Esse processo pode ser resumido no tratamento dado por Kant ao visionário Swedenborg, encarado por ele como um alucinado que não respeitava os limites epistemológicos da razão e dos sentidos.



Em contrapartida, a imaginação sempre foi considerada nas tradições, de Ibn 'Arabî a Paracelso e Boehme, como uma forma de percepção e de acesso aos outros níveis de realidade, associada ao mundo astral ou a Alma do mundo do neoplatonismo, e assim o seu rebaixamento ontológico significava a perda do acesso aos outros níveis de realidade pelo homem moderno.

Contudo, na contramão desse processo, teremos no século XIX autores como William Blake que considerou a Imaginação como potencial divino e criador e declarou ter visto no Inferno o cadáver "das obras analíticas de Aristóteles". Baudelaire, inspirado em Swedenborg e E. A. Poe, que se referiu à imaginação como a rainha das faculdades. E  Yeats que afirmou que seu trabalho estético-filosófico consistia na revolta da imaginação e da magia contra a razão unilateral e tirânica. 

Nessa mesma trilha, encontraremos no século XX autores como Jung, resgatando o valor dos mitos e símbolos à luz do inconsciente coletivo (uma Alma do mundo); Henry Corbin que afirmou que seu resgate da imaginação criadora na teosofia oriental era um "combate pela Alma do mundo"; e Durand, que estabeleceu uma teoria antropológica universal sobre o imaginário. 

São continuadores hoje em dia deste "combate pela Alma do mundo" os movimentos de contracultura, que defendem uma visão ecológica e holística da realidade, assim como a transdisciplinaridade e todas as novas teorias epistemológicas que pressupõem uma visão integral da realidade a partir de um diálogo entre diferentes áreas e formas do saber.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Fenomenologia em R. Steiner, H. Corbin e R. Abellio (por Daniel Placido)

Filosofia Perene, Renascimento e sincretismo (por Daniel Placido)

Gnose e Gnosticismo: ontem e hoje (por Daniel Placido)