Roger Garaudy e o Islã (por Daniel Placido)

Roger Garaudy foi um dos maiores intelectuais do século XX. Inicialmente cristão, aderiu ao Partido Comunista e à Resistência Francesa  contra a ocupação nazista. Foi parlamentar, e depois tornou-se, especialmente entre os anos 1950-60, o principal ideólogo marxista do Partido Comunista Francês, ainda que rompendo com a dogmática estalinista. Ao mesmo tempo, propunha um diálogo entre cristãos e marxistas. Nos anos 1970 foi excluído do Partido Comunista devido à heterodoxia de suas posições ideológicas.

Em 1982 Garaudy reverteu-se ao Islã, de forma surpreendente. Em sua autobiografia “Minha Jornada Solitária pelo Século” (1996, original de 1989) o assunto da reversão é, naturalmente, abordado.



Particularmente em uma entrevista anexa ao livro (pp. 281-289), Garaudy considera que os motivos que o atraíram ao Islã foram basicamente dois. 

O primeiro é o fato de que o Islã é, a seu ver, uma religião essencialmente ecumênica, pois não se coloca como uma religião nova, e sim como a continuação da mesma e única religião revelada por Allah a Abraão, na realidade, o último elo dessa cadeia, o “selo da profecia”. De fato, o Islã abraçou os profetas da tradição abraâmica anteriores ao profeta Muhammad, com grande destaque para Jesus, e Garaudy, tendo sido cristão antes, estava pisando em um solo em que seu apreço por Jesus poderia ser mantido sem, contudo, precisar fazer dele algo exclusivo. 

Já o segundo é que abraçar o Islã significava para Garaudy romper com a cultura greco-judaico-romana na qual tinha sido formado, cultura esta sustentada, segundo ele, na ideia do povo eleito e da Igreja como sucessora, além do dualismo platônico e da fusão da figura do pontífice com o patriarcado religioso.  Em sua interpretação, essa cultura gestou longamente o mundo moderno, ou seja, um mundo de violência, de guerra e de divisão, ao qual contrapunha Garaudy a figura de Jesus consumada no amor universal. 

E não por acaso, em outros momentos do livro (pp. 201-213), Garaudy também se refere ao Ocidente moderno como um mundo movido pelo “politeísmo” profano consumado em seus falsos ídolos, como o mercado, o nacionalismo e o cientificismo, e na ausência de uma verdadeira transcendência. Garaudy enxergou no mundo islâmico, cujas terras visitou e conheceu amplamente, um contraponto ao Ocidente politeísta, a partir da existência de uma fé genuína e orientadora da vida, que movia e move grande parte da humanidade a viver em um imenso espaço geográfico histórico. Sente-se, assim, dentro de uma ruptura com o Ocidente, rejeitado por ele também enquanto intelectual que abraçou uma religião distinta do maistream cultural, mas não solitário, pois tinha consigo, como diz no livro, a companhia dos sufis como Rumî ou Ibn Arabî e muitos outros.


*Este texto são trechos de um artigo meu publicado na revista Al Hakim


Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Fenomenologia em R. Steiner, H. Corbin e R. Abellio (por Daniel Placido)

O que é o sufismo? (por Daniel Placido)

A Filosofia Perene e o Tradicionalismo de R. Guénon (por Daniel Placido)