Mística Ocidental e Mística Oriental (Por Daniel R. Placido)
Gusdorf, em seu monumental Tratado de Metafísica (SP: Cia Editora Nacional, 1960), generaliza suas conclusões a toda metafísica — irmã da mística — sustentando que, em ambas, a possibilidade de conhecimento e experiência do Absoluto implicaria a negação do homem concreto, empírico e histórico, como se este se dissolvesse e perdesse sua humanidade e sua historicidade. Que um filósofo de orientação anti-mística critique a metafísica e a mística é perfeitamente compreensível, embora isso não o livre de equívocos.
Por sua vez, um autor de vocação mística, como Nikolai Berdiaev, em seu texto de 1912 De las distintas místicas, propõe uma convergência interessante entre Plotino e a mística indiana — comparação retomada por diversos estudiosos contemporâneos. Berdiaev observa que a “mística indiana” (referindo-se, ao que tudo indica, ao Yoga ou ao Vedānta) tende a negar o homem concreto, o eu pessoal e o mundo plural, rejeitando inclusive o Deus pessoal, pois opera em um horizonte apofático e pré-teológico. Em seguida, sustenta que, no Ocidente, Plotino representaria a aproximação mais evidente com essa visão impessoal e transmundana, e que certos aspectos apofáticos e neoplatônicos penetraram na mística cristã (por exemplo em Eckhart), embora a mística cristã, diferentemente, tenha preservado a realidade do mundo, do indivíduo e a pessoalidade divina. Assim, delineia-se uma cisão entre mística cristã e mística neoplatônica ocidental e, por extensão, entre mística cristã e certas correntes místicas indianas.
Na mesma direção argumentativa, Robert Amadou [1] considera que o monismo místico constitui uma imperfeição do pensamento extremo-oriental, frequentemente importada ou imitada no Ocidente. Segundo ele, essa concepção implicaria uma “morte” simultânea do homem e de Deus sob o signo da unidade ontológica; e vê no tradicionalismo de René Guénon um exemplo dessa tendência orientalizante dentro do pensamento ocidental. Acrescenta ainda que a autêntica tradição mística ocidental — expressa nas tradições abraâmicas — situa a experiência do Deus pessoal como posterior à experiência do Deus impessoal e absoluto, constituindo assim uma mística da consciência, e não apenas do ser.
Gostaria de fazer algumas considerações a respeito dessas posições (Berdiaev, Amadou e outros):
I - Não existe uma única “mística indiana” nem uma “mística oriental”, mas uma pluralidade de visões complementares que não se reduzem umas às outras. Mesmo dentro de uma única escola indiana, como o Vedānta, há divergências fundamentais. Não se poderia afirmar, por exemplo, que Rāmānuja ou Madhva negam a realidade concreta da alma individual, do mundo ou do aspecto pessoal de Deus.
II - Mesmo em escolas indianas como o advaita Vedānta, nas quais se fala de dissolução do sujeito no Absoluto — por meio da identidade última entre Ātman e Brahman, e da atribuição de status ilusório (māyā) à alma individual (jīva) —, a alma, o mundo e Deus possuem uma realidade relativa. Além disso, essa “dissolução” não deve ser compreendida de modo literal. Como observa Ken Wilber [2], se o sábio realmente deixasse de existir como pessoa, estaria em um estado psicótico. Na realidade, ele continua a existir com um centro de consciência pessoal, embora expandido e transcendente aos limites comuns. Os místicos não são seres desencarnados ou desumanizados; ao contrário, mostram-se plenamente realizados em sua mente e em sua ação cotidiana. Muitos foram estadistas, professores, poetas, intelectuais ativos. Por isso, as tradições espirituais afirmam que o místico não se encontra abaixo da condição humana, mas a cumpre em sua plenitude.
III - Como nota F. G. Bázan (Aspectos incomuns do sagrado, SP: Paulus, 2002), a união da alma com o Uno em Plotino não pode ser interpretada como mera dissolução do sujeito no Todo divino — tal como no advaita Vedānta —, pois essa união com o Uno não é definitiva, mas algo que se repete ciclicamente.
Notas
-
Robert Amadou ou la gnose au nom vérace: https://www.moncelon.fr/amadou1.htm
-
A ausência de ego, Ken Wilber: https://universotranspessoal.com.br/ausencia-de-ego-por-ken-wilber/
Comentários
Postar um comentário