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A Filosofia Perene e o Tradicionalismo de R. Guénon (por Daniel Placido)

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  (Este texto aproveita trechos de um artigo que escrevi para a Revista Hermetismo)   Através da obra de Marsílio Ficino (1433-1499) surgiu, no Renascimento, em um ambiente sincrético de encontro de tradições e filosofias, a noção de “prisca theologia” (FAIVRE, 2000; IDEL, M., 2002).   Ficino, influenciado por autores platônicos como Proclo e Gemistos Plethon, considerou que existia uma teologia antiga, veiculada por sábios como Zoroastro, Hermes, Orfeu, Aglaofemo, Platão, Pitágoras, que estava fundamentalmente em acordo com o cristianismo (FICINO, 1965; FICINO, 2011 b; BLUM, 2001; PLÉTHON, 1858). Apesar de Ficino considerar que outros povos e culturas (dos druidas aos brâmanes) também receberam relampejos da verdade divina, o cristianismo tinha um papel especial dentro do coro das religiões e tradições, representando a verdade divina integral e também uma “pia philosophia” (HANEGRAAFF, 2012; HANKINS, 1990; CELENZA, 2021; EDELHEIT, 2008; MONFASANI, 2002). Analogamente, o termo Fi

Docetismo e imaginal em H. Corbin (por Daniel Placido)

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Com base na leitura de C. Jambet ( A lógica dos orientais. SP: Globo, 2006, pp. 294-297), um discípulo do filósofo e orientalista francês Henry Corbin, o docetismo consistia na crença de alguns gnósticos antigos, assim como dos maniqueus e dos cátaros, de que Jesus não teve um corpo carnal comum, porquanto ele seria dotado de uma espécie de corpo fantasmático, espiritual ou angélico e que, portanto, sua Paixão na cruz não foi algo “real” tampouco “doloroso”. Na melhor das hipóteses, foi um teatro. Justamente nesse aspecto a heresiologia católica vislumbrou no docetismo gnóstico uma negação radical e inaceitável do sofrimento redentor de Cristo assim como uma rejeição de sua natureza realmente humana-corpórea-mortal, insistindo, contra ele, na centralidade histórico-teológica da Paixão crística e da co-humanidade de Jesus. Crucifixion (Corpus Hypercubus)  (1954), de Salvador Dalí Contudo, existem sutilezas nessa discussão sobre o docetismo, e o pensamento de H. Corbin, exposto por C. J

Em memória de António de Macedo (por Daniel Placido)

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António de Macedo nasceu no dia 5 de julho de 1931, em  Lisboa, Portugal, e faleceu na mesma cidade em 5 de outubro de 2017. Ele foi cineasta, esteta, ensaísta, romancista, professor de Esoterologia Bíblica (Universidade Nova de Lisboa),  além de membro da Fraternidade Rosacruz Max Heindel. Em todas essas áreas e especialidades conquistou destaque, obtendo por seu trabalho um reconhecimento internacional. Aqui falaremos apenas da sua faceta enquanto estudioso das religiões e tradições. Por “estudo do Esoterismo” (=Esoterologia), hoje se entende a disciplina acadêmica surgida há alguns decênios em universidades importantes tais como Sorbonne (França), Estadual de Michigan (EUA), Amsterdam (Holanda), Londres (Inglaterra), Turim (Itália) e outras, à luz de uma reaproximação entre o mundo dos esoteristas, de um lado, e o mundo acadêmico, do outro, o que não ocorria praticamente desde Ficino e o Renascimento. Reaproximação esta fundada em sutis distinções metodológicas e epistemológicas, po

Gnose e Gnosticismo: ontem e hoje (por Daniel Placido)

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  Gnose e Gnosticismo “Gnose” e “gnosticismo”, eis palavras que causaram, e ainda causam, desconforto, receio ou tremor, especialmente quando são ouvidas por espíritos demasiado dogmáticos e reacionários. Afinal, o gnosticismo, que traz consigo a gnose, foi considerado a “mãe de todas as heresias”, não é mesmo? De nossa parte, esses termos soam quase como uma canção de liberdade , não obstante impliquem em muitos desafios teóricos e conceituais. Primeiramente, o que é gnose? Ela pode ser conceituada como o conhecimento interno do divino, a superar assim a dualidade entre sujeito e objeto, e que corresponde a uma salvação interior ou libertação da alma humana. Como disse S. Hoeller, a gnose é o conhecimento absoluto do absoluto, e isso nos afasta um pouco do campo epistemológico da mera religião ou mesmo da filosofia. Nesse sentido, no texto gnóstico-árabe  de Monoimus é dito: Desistindo de procurar por Deus, a criação e coisas como essas, busques por Ele dentro de ti e aprendas qu

Filosofia Perene, Renascimento e sincretismo (por Daniel Placido)

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  O Renascimento foi um momento decisivo para a formulação da Filosofia Perene pois era um lugar de encontro sincrético   de diversas tradições com o cristianismo, como o hermetismo, o neoplatonismo, a cabalá judaica, o orfismo etc.   Nesse quadro, tem peso especial Gemistos Plethon, um filósofo neopagão de origem bizantina que chamou a atenção dos latinos para o valor de Platão e que este estava de acordo com Zoroastro, o primeiro sábio e legislador antigo.  Na esteira de Plethon, mas mobilizado pela ótica cristã, temos Ficino, que traduziu o Corpus Hermeticum e começa a falar de prisca theologia , colocando Hermes Trismegisto como primeiro teólogo mais antigo. Hermes Trismegisto já era fruto de um certo sincretismo, uma mistura do Hermes grego com o Thot egípcio, um sábio ou profeta pagão que já era discutido por antigos como Lactâncio, Cícero e Agostinho. No período do Renascimento, curiosamente, sua imagem podia ser encontrada dentro de uma igreja católica, mais precisamente no pi

Sobre a Filosofia Perene (por Daniel Placido)

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  O conceito de  Filosofia Perene, apesar de seu aparecimento e delineamento no Renascimento, tem raízes mais antigas do que aparenta. Existe um embrião dessa concepção na Antiguidade, com autores como Platão, Fílon, Clemente de Alexandria, Proclo, Lactâncio, Agostinho, entre outros, e no Medievo com autores como Sohravardî e Psellos. Todavia, foi no Renascimento que esse conceito teve a sua definição expressa, atingindo seu ápice, pois era, justamente, um período de encontro e sincretismo de tradições (helenísticas e  tradições ligadas ao monoteísmo), com a disponibilidade de materiais e tradições diversas que colocavam para os eruditos um desafio de síntese intelectual e religiosa. Inicialmente com Gemistos Plethon, um filósofo bizantino e neopagão que procurou unir Zoroastro e Platão, como expoentes de uma ampla e diversa tradição que incluía de figuras míticas gregas aos brâmanes da India, até os neoplatônicos como Porfírio e Jâmblico, temos o primeiro passo para a Filosofia