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Mística Ocidental e Mística Oriental (Por Daniel R. Placido)

Gusdorf, em seu monumental  Tratado de Metafísica (SP: Cia Editora Nacional, 1960), generaliza suas conclusões a toda metafísica — irmã da mística — sustentando que, em ambas, a possibilidade de conhecimento e experiência do Absoluto implicaria a negação do homem concreto, empírico e histórico, como se este se dissolvesse e perdesse sua humanidade e sua historicidade. Que um filósofo de orientação anti-mística critique a metafísica e a mística é perfeitamente compreensível, embora isso não o livre de equívocos. Por sua vez, um autor de vocação mística, como Nikolai Berdiaev, em seu texto de 1912 De las distintas místicas , propõe uma convergência interessante entre Plotino e a mística indiana — comparação retomada por diversos estudiosos contemporâneos. Berdiaev observa que a “mística indiana” (referindo-se, ao que tudo indica, ao Yoga ou ao Vedānta) tende a negar o homem concreto, o eu pessoal e o mundo plural, rejeitando inclusive o Deus pessoal, pois opera em um horizonte apof...

Rudolf Steiner e as EQMs

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Com base em sua pesquisa espiritual independente, Rudolf Steiner (1861-1925)    descreveu, no começo do século XX, o (suposto) estado do ser humano entre a morte e um novo nascimento. Por exemplo,   na palestra “Man Between Death and Rebirth” (1909), Steiner considera e expõe em detalhes o percurso da alma após a morte até um novo nascimento.  Segundo Steiner, imediatamente após morrer, a alma contempla toda a sua vida passada como um grande panorama, no qual os acontecimentos aparecem simultaneamente, de forma clara e objetiva, sem envolvimento emocional. Esse “quadro mnemônico”, fruto do desprendimento do corpo etérico em relação ao corpo físico, permite que a essência espiritual de cada experiência seja preservada. Depois desse momento, a alma entra no estado chamado kamaloka, ou “reino dos desejos”, o mundo astral. Nessa etapa, ela revive sua vida em ordem inversa, mais rapidamente, experimentando interiormente os efeitos que suas ações causaram aos outros, tan...

Três entrevistas sobre Esoterismo

 Compartilho aqui o link de três entrevistas de que participei e que são relacionadas ao Esoterismo. 1- Entrevista com Eduardo Guerreiro Losso, sobre literatura e esoterismo: https://revistaursula.com.br/cultura/eduardo-guerreiro-losso-mistica-literatura-politica-e-religiao/ 2- Entrevista com Francisco G. Bazán, sobre gnosticismo, perenialismo e afins: https://revistaursula.com.br/filosofia/nas-origens-do-cristianismo-os-gnosticos-entrevista-com-francisco-garcia-bazan/ 3- Entrevista com Arthur Versluis, sobre gnosticismo, platonismo, filosofia perene e afins: https://revistaursula.com.br/ciencia/arthur-versluis-a-gnose-entremeada-na-cultura-atual-e-seus-horizontes/

William Blake: gnose e liberdade - por Daniel Placido

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Aleister Crowley, no Liber XV: a Missa Gnóstica, insere o poeta e pintor inglês W. Blake (1757-1827) na linhagem santa da gnose, ilustremente acompanhado por Bardesanes, Valentino, Boehme, Goethe, Nietzsche e outras figuras esotéricas [1]. Sem sombra de dúvida, William Blake pertencia a uma linhagem heterodoxa de místicos cujas afinidades eletivas com o gnosticismo antigo eram inegáveis, não tanto na questão metafísica e cosmológica, mas em termos de rejeição da moralidade tradicional e da institucionalização religiosa.  Blake foi tanto um homem profundamente religioso e místico quanto um rebelde em termos morais e políticos. Isso porventura pode surpreender à primeira vista, no entanto, como uma vez escreveu G. Scholem (2015), essa atitude é comum em alguns místicos porquanto, na procura pelo fundamento último das tradições, podem considerar que, a partir de sua experiência espiritual, estão acima das instituições e autoridades cimentadas sobre elas e que podem demoli-las sem nenh...

Zoroastro e o zoroastrismo (por Daniel Placido)

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  Quem foi Zoroastro? E o que é o Zoroastrismo? Zaratustra (conhecido em grego como Zoroastro ) foi um sacerdote e reformador religioso do antigo Irã, que teria vivido entre 1500 e 1200 AEC, embora algumas estimativas o situem entre 1000 e 600 AEC. Segundo a tradição, enquanto se banhava em um rio, Zoroastro teve uma visão de uma entidade angélica que se apresentou como emissária de Ahura Mazda, o Senhor Supremo. Essa entidade o levou à presença do Ser Supremo, que lhe revelou a verdade, marcando o início de sua missão profética. O zoroastrismo (às vezes chamado de mazdeísmo) é uma religião que combina elementos do monoteísmo com um dualismo teológico. Ahura Mazda (também chamado de Ohrmazd) é o Senhor Supremo e Sábio, criador da distinção primordial entre asha (verdade, ordem cósmica) e druj (mentira, caos). Dele teriam nascido dois espíritos gêmeos, cada um fazendo uma escolha: Spenta Mainyu (Espírito Benfazejo) optou pelos bons pensamentos, boas palavras e boas ações; e An...

O que é o sufismo? (por Daniel Placido)

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  Toda religião tradicional tem uma dimensão interior ou mística, assim como toda letra tem seu espírito. No caso do Islã, ela é conhecida, especialmente entre os sunitas, como sufismo (tasawwuf). Esse aspecto interior da religião islâmica teria sido revelado pelo profeta Muhammad a seus discípulos mais próximos ou companheiros, e assim sucessivamente. O profeta Muhammad é considerado, não por acaso, o modelo do Homem Perfeito para sufis. O sufismo não tenciona contradizer a sharia (lei islâmica) nem a teologia, mas complementar e aprofundar aspectos delas. Os sufis acreditam no que todo muçulmano verdadeiro acredita e seguem rigorosamente as normas práticas da religião, encarando-as não só pelo seu aspecto externo, mas também pelo aspecto interno. Por exemplo, o sufi Ibn ‘Arabî disse que cada prostração da oração islâmica está associada a um reino da existência (mineral, vegetal, animal). Eles praticam o que todo muçulmano pratica, assim como fazem orações, meditações, jejuns e ou...

Roger Garaudy e o Islã (por Daniel Placido)

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Roger Garaudy foi um dos maiores intelectuais do século XX. Inicialmente cristão, aderiu ao Partido Comunista e à Resistência Francesa  contra a ocupação nazista. Foi parlamentar, e depois tornou-se, especialmente entre os anos 1950-60, o principal ideólogo marxista do Partido Comunista Francês, ainda que rompendo com a dogmática estalinista. Ao mesmo tempo, propunha um diálogo entre cristãos e marxistas. Nos anos 1970 foi excluído do Partido Comunista devido à heterodoxia de suas posições ideológicas. Em 1982 Garaudy reverteu-se ao Islã, de forma surpreendente. Em sua autobiografia “Minha Jornada Solitária pelo Século” (1996, original de 1989) o assunto da reversão é, naturalmente, abordado. Particularmente em uma entrevista anexa ao livro (pp. 281-289), Garaudy considera que os motivos que o atraíram ao Islã foram basicamente dois.  O primeiro é o fato de que o Islã é, a seu ver, uma religião essencialmente ecumênica, pois não se coloca como uma religião nova, e sim como a c...